sábado, 25 de junho de 2011

Humala Ollanta nunca foi de esquerda


É muito provável que os indígenas e os pobres que votaram massivamente em Humala lhe exijam soluções para as suas reivindicações económicas, sociais, ambientais e democráticas, e entrem em conflito com um governo que nem quer nem pode enfrentar a direita.
Por Guillermo Almeyra, La Jornada

Ollanta Humala nunca foi um homem de esquerda. É antes um militar nacionalista e indigenista moderado, com ideias etnocaceristas confusas. Se obteve o apoio do intelectual de direita Mario Vargas Llosa e do ex-presidente indígena Alejandro Toledo não foi tanto pelo abandono de boa parte do seu programa inicial, mais radical porque defendia a ideia de uma assembleia constituinte e a possibilidade de algumas nacionalizações e modificações do sistema tributário, mas pela maleabilidade do candidato, que demonstrou ser sensível às pressões de centro-direita.

A importância do seu triunfo eleitoral não reside tanto na sua audácia e nas suas posições, mas em ter evitado que o Peru caísse novamente nas mãos da direita repressiva, corrupta e ditatorial que tinha apoiado Alan García e Alberto Fujimori e que, de uma forma compacta, votou desta vez em Keiko Fujimori, que se rodeou dos piores elementos que tinham secundado a ditadura do seu pai.

As eleições confrontaram meio Peru com a outra metade. Em Humala votaram os indígenas da serra e do sul, os amazónicos e os trabalhadores pobres da costa norte, além dos intelectuais, assustados com o perigo de uma nova ditadura fujimorista; em Keiko Fujimori fizeram-no os pobres mais atrasados das cidades, a maior parte das classes médias urbanas, conservadoras e racistas, e as direitas unidas, apoiadas e incentivadas pela embaixada dos Estados Unidos. Os votos em Humala reivindicam terra, direitos, respeito e dignidade e opõem-se à destruição do seu território pelas grandes explorações mineiras estrangeiras, eixo do grande capital no Peru. Os votos em Fujimori que realmente contam, os da direita empresarial ou financeira, querem evitar que os sectores populares se organizem, se mobilizem e conquistem espaços de poder. Daí que a reacção imediata da Bolsa de Lima, ao conhecer-se a vitória de Humala, tenha sido uma queda catastrófica dos títulos que obrigou a fechá-la. Ou seja, um semigolpe financeiro.

Os efeitos do triunfo de Humala serão maiores no campo internacional que a nível interno, porque a presidência de Humala reforça Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, e porque Humala procurará certamente acordos económicos e políticos estreitos com o Brasil, fortalecendo assim a influência brasileira – conservadora – face aos Estados Unidos e a construção de um cordão sino-brasileiro que una a costa atlântica com a do Pacífico. Além disso, quebrou-se o anel central da cadeia que unia a Colômbia, o Peru e o Chile na retaguarda de Washington, cadeia que garantia ao imperialismo o controlo da costa do Pacífico na América do Sul.

No plano nacional, pelo contrário, é muito provável que os indígenas e os pobres que votaram massivamente em Humala lhe exijam soluções para as suas reivindicações económicas, sociais, ambientais e democráticas, e entrem em conflito com um governo que nem quer nem pode enfrentar a direita, apoiada pelo imperialismo, ou as grandes explorações mineiras estrangeiras. Humala, como bom militar e prisioneiro dos seus aliados, procurará certamente recorrer a subterfúgios e acabará por recorrer à repressão. Perante a impossibilidade da vitória das guerrilhas e da revolução, o general nacionalista Velasco Alvarado fez uma revolução passiva (para aplicar os conceitos de Gramsci), decapitou o latifúndio e eliminou a servidão para tentar modernizar de forma capitalista o Peru rural. Humala, no entanto, não detém as condições necessárias para tentar, sequer, repetir o velasquismo, uma vez que a burguesia não está preocupada com a rebelião indígena, não há uma esquerda importante no Peru, e não conta com a adesão da maior parte das chefias das forças armadas. O seu progressismo tem, por isso, grandes entraves, a não ser que os aimaras de Puno e os quechuas das restantes serras peruanas, influenciados pelo exemplo boliviano, ultrapassem os limites que o neopresidente tratará de impor. Sobretudo porque, para pressionar o Chile e obter uma saída para o mar, na Bolívia espalhar-se-á a ideia de reforçar os laços com o Peru para reviver em parte, e em novas condições de confronto com o imperialismo norte-americano e com a oligarquia do Chile, a efémera Confederação peruano-boliviana que foi derrotada pela aliança entre o imperialismo britânico e a oligarquia chilena. O general Cáceres, o Taita, herói dos Andes, como se deve recordar, acabou por reprimir os próprios indígenas em que se tinha apoiado para derrotar os chilenos na sua guerra de guerrilhas. Antes mesmo de chegar ao palácio de Pizarro, o cacerista Humala já decidiu limitar-se à política que fracassou no governo do indígena Toledo, antigo funcionário das instituições internacionais imperialistas, acrescentando apenas a promessa de fazer com que as empresas mineiras paguem um imposto sobre os lucros extraordinários, coisa que elas se recusarão a fazer. As opções são, por conseguinte, a preparação de um golpe anti-Humala ou a incorporação pacífica do novo governo através de uma série de pressões económicas. No campo contrário, a criação, a partir do apoio conseguido por Ollanta Humala, de uma esquerda peruana que aprofunde e radicalize o processo actualmente incipiente. Mas isso exigiria um intervalo de tempo relativamente longo e confuso, uma vez que não existe o núcleo da tal esquerda anticapitalista, nem nenhuma outra força relativamente importante equaciona as bases programáticas para uma luta como essa. O mais previsível, por isso, é uma enorme instabilidade política e social no Peru, com um governo nacionalista a dançar na corda bamba.

Publicado no La Jornada
Tradução de Helena Pitta para o Esquerda.net
Fonte: www.esquerda.net

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