sábado, 26 de fevereiro de 2011

Identidade política, desigualdade e partidos brasileiros



Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.


Democracia e identidades político-partidárias
Em artigo publicado em 2008, Alessandro Pizzorno discute problemas relacionados à representação política, retomando temas a que se dedica há muito[1]. Ressaltando o fato de que, nas condições atuais de operação da democracia, os eleitores são cada vez mais destituídos de influência real sobre as políticas públicas, restrita amplamente a grupos de pressão, Pizzorno examina o papel de lideranças, movimentos ou partidos em termos do contraste entre os bens de curto prazo e os de longo prazo que os cidadãos podem esperar do processo político.

Esse papel é descrito em termos de "oferta de esperança": em vez de um governo representativo capaz de colocar seus eleitores em condições de avaliar as vantagens ou as desvantagens de uma ou outra política pública, teríamos sistemas de partidos e unidades coletivas de tipo variado (étnicas, religiosas) em que a autoridade da classe política estaria fundada na combinação da esperança que oferece quanto a fins de longo prazo - em larga medida, segundo Pizzorno, imaginários: fins nacionais, de classe, da humanidade, dos povos do mundo - com a capacidade de transformar essa esperança em consenso para as políticas de curto prazo.

É a relação entre a classe política e a população, afirma Pizzorno, que o Estado deve empenhar-se em tornar virtuosa; e somente a presença de doutrinas em que se expressem fins de longo prazo divergentes (o aspecto de divergência é salientado) pode dar sentido a uma participação na vida política que não seja meramente "profissional" ou clientelística, características estas associadas à busca de objetivos privados pela classe política e à idéia de uma sociedade de "caroneiros" ou aproveitadores.

Essa perspectiva se associa, no exame de problemas da democracia e da política em geral, com a ênfase na identidade. Avesso a recentes concepções da democracia de economistas que tendem a equiparar a dinâmica democrática à do mercado, Pizzorno salienta as questões de identidade como as que seriam distintivas da política. Mas as sociedades que Pizzorno tem mais diretamente diante dos olhos são sobretudo sociedades de características social-democráticas, fruto da afirmação de identidades referidas em ampla medida a interesses materiais e à "questão social", e os fins "imaginários" de longo prazo a que Pizzorno se refere incluem com destaque os relativos a classes sociais.

A abordagem de Pizzorno coloca em foco alguns dos temas que têm sido recorrentemente tomados a propósito dos partidos e de seu desenvolvimento. De um lado, temos o tradicional recurso à idéia de ideologia e à característica menos ou mais ideológica dos partidos, elaborada classicamente na distinção de Maurice Duverger entre "partidos de quadros" e "partidos de massas", estes últimos correspondendo em particular aos partidos socialistas de origem extraparlamentar baseados na militância contínua de membros filiados.

Vistos por Duverger como os partidos do futuro, os partidos de massas ideológicos fornecem a referência latente de um modelo geral de "política ideológica" que segue prevalecendo amplamente, no Brasil como em outros países, e no qual se supõe que partidos e eleitores se distribuam com clareza ao longo de um eixo esquerda-direita. Em contraposição, revisões já não tão recentes têm apontado a tendência, que resultaria fatalmente do mero envolvimento no jogo eleitoral e do imperativo de diluir a mensagem para conquistar maiorias, de que os partidos se transformem em "partidos pega-tudo" (catch-all parties), modifi- cando de maneira mais ou menos acelerada suas relações tanto com as "bases" quanto com o próprio Estado (eventualmente dando origem ao que alguns chamaram "partidos-cartel", em que o acesso às benesses do Estado acaba compartilhado em algum grau entre os diversos partidos).

De todo modo, tal evolução acabaria por ensejar a prevalência de um pragmatismo afim aos partidos de quadros, que se faria acompanhar, em termos de psicologia política, de um clima de "cultura cívica" em que a adesão generalizada aos valores comuns da coletividade abrangente (nacional) e a identificação com ela permitiriam que arrefecessem os antagonismos políticos e, em conseqüência, o estímulo ao envolvimento com a política.

A esse respeito, o interesse da perspectiva trazida por Pizzorno consiste em que, em vez de identificações divergentes ou antagônicas se contraporem a composições pragmáticas, recupera-se a complexidade sempre presente no jogo político de interesses que se agregam e hostilizam. Por "imaginários" que sejam os fins de longo prazo propostos, eles são efetivos em produzir identificação e identidades político-partidárias. E mesmo se estas se mostram instrumentais para a produção de consensos pragmáticos quanto ao curto prazo, respaldando composições protagonizadas pelos partidos, o componente de antagonismo contido na identificação partidária e na mobilização em torno de fins ambiciosos é também condição para que a relação entre a classe política e a população possa adquirir o caráter virtuoso mencionado, em vez de acabar substituída por um aguado "civismo" negativamente marcado por "profissionalismo" e clientelismo políticos.

Por outro lado, a ênfase em questões de identidade, tomada do ponto de vista da experiência das sociedades social-democráticas e de problemas de estratificação social, permite destacar algo especial. Genericamente, identidade tem a ver com relações de igualdade e diferença, que dizem respeito à diversidade de etnias, culturas e nacionalidades, em sentido amplo, assim como tem a ver com o caso específico de relações hierárquicas entre classes sociais ou categorias sociais estratificadas de qualquer tipo - que correspondem antes a relações de igualdade e desigualdade. Em outras palavras, a relação igual-desigual é um caso particular da relação igual-diferente.

Contudo, são as relações de igualdade e desigualdade, ou de poder social desigual, que se revelam crucialmente relevantes do ponto de vista do tema geral da democracia, e as diferenças étnicas ou culturais só interessam, deste ponto de vista, na medida em que tendem a associar-se com domínio e subordinação.


Diferenças, desigualdades e institucionalização política no Brasil
A implantação e o desenvolvimento do Estado nacional moderno envolveu com freqüência problemas de "assimilação", em que se tratava justamente de dar solução ao problema da "identidade nacional", com a neutralização da importância de eventuais diferenças étnicas ou culturais, criando-se assim o substrato sociopsicológico apropriado à afirmação da aparelhagem burocrática do Estado sobre as coletividades "nacionais" envolvidas.

Na verdade, na Europa (e não só lá) tais problemas seguem bem vivos até hoje: com a derrocada do comunismo, a fragmentação ocorrida na Europa oriental reeditou e intensificou, às vezes de forma trágica, o processo de "balcanização", enquanto os próprios avanços integradores da União Européia (e da globalização, mais amplamente) favoreceram, em vários países da Europa ocidental, movimentos de autonomia regional que envolviam ou envolvem diferenças étnico-lingüísticas e especificidades culturais, ou "nacionalidades" menos ou mais reais.

Mas é a questão social, assentada na diferença como desigualdade, que marca a dinâmica da implantação e do desenvolvimento da democracia. Essa proposição é verdadeira mesmo se recuamos do mundo moderno para a Antiguidade clássica. A experiência da democracia ateniense teve seu traço distintivo, e o duradouro foco de conflito que terminou por comprometê-la, na figura do cidadãocamponês, na qual Ellen Meiksins Wood (nos ensaios de Democracy against capitalism[2]) sintetiza a idéia de que os "produtores" ou trabalhadores manuais (camponeses, sapateiros, ferreiros) podiam ser governantes, podiam ser cidadãos e como cidadãos participar do governo da comunidade - idéia esta que, como elabora Wood, veio a ser o grande cavalo de batalha nas discussões sobre a democracia ateniense nas obras dos pensadores clássicos da própria Atenas, que em geral se opunham fortemente a ela.

É no mundo capitalista do pós-Renascimento, contudo, que a questão social adquire relevância definitiva. A afirmação liberal da igualdade perante a lei e dos direitos civis radicaliza-se na reivindicação dos direitos político-eleitorais, que se desdobra na busca da igualdade de maior alcance, da redistribuição e dos direitos sociais.

Em vários países, essa busca, apesar de trazer a questão social para o cerne das disputas eleitorais, conformou as experiências social-democráticas em que arrefeceu o radicalismo socialista dos casos mais exemplares de partidos ideológicos de massas. Mas as vicissitudes das lutas sociais têm também um resultado de feições distintas, que vem a ser de grande importância para a dinâmica política e partidária no Brasil: a confrontação em nível planetário entre capitalismo e socialismo na Guerra Fria, que marcou longamente a segunda metade do século XX. Um aspecto saliente do quadro assim criado é o de que os enfrentamentos domésticos que ocorrem em cada país, especialmente na periferia do sistema mundial, se aguçam ao se transformarem em episódios do enfrentamento internacional entre os dois campos.

No Brasil, isso tem o efeito de intensificar algo que vinha de longe: o protagonismo político dos militares (o "pretorianismo", na expressão de alguns) como parte crucial da debilidade do enquadramento institucional do jogo político. A implantação, em 1964, da ditadura militar que viria a durar 21 anos é o coroamento desse processo. Ela acontece num momento em que a grande desigualdade herdada de nossa longa experiência escravista se combina tumultuadamente com a transformação econômico-social, o crescimento das cidades e das massas populares urbanas e a enorme expansão do eleitorado.

Os elementos de transformação e novidade nesse quadro têm, naturalmente, grande importância na explicação das turbulências que culminam em 1964. Mas o entendimento mais adequado da complexa atualidade política brasileira e das deficiências institucionais que permanecem, mesmo superada a ditadura, exige que se ressalte o papel cumprido pelo que há de viscoso e resiliente no legado de nossa história mais remota.

O ponto crucial são os efeitos da multissecular experiência escravista recém mencionada, da qual, naturalmente, todos temos conhecimento, mas de cujo impacto profundo freqüentemente não tomamos consciência adequada. Ela singulariza o Brasil de modo especial: não só nos incluímos entre os poucos casos, em toda a história, de sociedades propriamente "escravagistas" (que Finley[3] caracteriza pelo recurso em grande escala ao trabalho escravo tanto no campo como nas cidades e que, na listagem de Ellen M. Wood, são a Atenas clássica, a Itália romana, as ilhas das Índias Ocidentais, o sul dos Estados Unidos e o Brasil), mas somos também o único país moderno de dimensões significativas a contar com um legado escravista maciço - nos Estados Unidos, afinal, a escravidão perdeu a guerra.

A conseqüência, que se pode resumir na singular e persistente desigualdade brasileira, é que as carências materiais em que a longa escravidão se traduz para grande parcela dos estratos populares do país têm contrapartida decisiva no plano da psicologia coletiva e de suas projeções políticas. Um aspecto merece destaque: na sociedade de castas que a escravidão construiu (demarcadas, ademais, por traços físicos de alta visibilidade), a população de origem africana não chegava sequer, durante muito tempo, a ser percebida como fazendo realmente parte do povo brasileiro[4], o que é certamente a explicação última de nossos investimentos insuficientes em educação e da precariedade do sistema educacional brasileiro até hoje (educar "essa gente"?).

Essa deficiência é um correlato importante do quadro psicológico produzido, em que o longo jogo político oligárquico e seus mecanismos clientelísticos combinavam a perspectiva aristocratizante da elite com a passividade e o conformismo próprios, na sociedade de castas, das camadas menos favorecidas. Aos olhos destas, a desigualdade tende a aparecer como parte da ordem natural das coisas e a não ser vivida como problema efetivo: não se manifesta subjetivamente de forma a dar lugar ao sentimento de injustiça e à conseqüente disposição afirmativa e reivindicante.

Naturalmente, as transformações estrutural-ecológicas e comunicacionais das décadas recentes não poderiam deixar de impactar também o plano da psicologia coletiva, gerando mecanismos de comparação e frustração há muito estudados pela sociologia como fonte do sentimento de injustiça e fator de instabilidade - e dando razão, em termos psicológicos e não apenas "objetivos", à observação de Fernando Henrique Cardoso, quando presidente da República, de que o Brasil não seria mais um país subdesenvolvido, e sim um país injusto. Mas, apesar da incorporação eleitoral que acaba por mostrar-se inelutável nas condições do difuso apoio convencional à democracia na atualidade mundial, as deficiências de todo tipo perpetuadas pelo resistente fosso social brasileiro condicionam de modo relevante os efeitos do processo geral na esfera política e partidária.

Assim, parte importante da insatisfação popular, em vez de encontrar canalização político-institucional apropriada, pode servir simplesmente de combustível na intensificação acentuada da violência e da criminalidade comum. Mesmo nas suas manifestações políticopartidárias, contudo, é evidente que o idealizado modelo de "política ideológica" dificilmente poderia ser visto como ajustando-se, em particular, aos mecanismos populistas que há muito operam no processo político do país.


PMDB, PSDB e PT
De todo modo, as deficiências de nosso substrato social desigual se traduzem também em claras deficiências no processo de construção partidária, quando apreciado do ponto de vista do modelo de política ideológica. É certo, não deixamos de encontrar a percepção, por parte do establishment, de ameaças próprias da política ideológica a surgirem no plano da dinâmica partidária, como ocorreu, num quadro de radicalização que se intensificava, com o crescimento gradual do apoio eleitoral ao PTB de Getúlio Vargas durante o período de 1945 a 1964. A ditadura militar de 1964 tratou de agir contra as ameaças percebidas, especialmente com a dissolução dos partidos daquele período e sua substituição pelo bipartidarismo imposto de Arena e MDB. A iniciativa, contudo, revelou-se um erro de cálculo. Sua conseqüência foi que a simplificação das opções eleitorais se ajustasse bem aos simplismos da visão política das parcelas populares majoritárias do eleitorado característica do populismo - e, ao contrário do esperado pelos mentores do regime militar, favorecesse o partido de oposição, o MDB, a partir do momento em que as vicissitudes do regime lhe permitiram transmitir, em 1974, uma mensagem afirmativa de feição popular.

As manobras seguintes do regime, como se sabe, ensejaram novas mudanças do quadro partidário, em que se esfacelou o singular recurso eleitoral que o MDB chegou a representar. Tais mudanças atingiram seu ápice já bem mais tarde, em 1988, quando se dividiu o PMDB, herdeiro direto do MDB, com a criação do PSDB. Mas o quadro geral alterado permitiu o que foi, sem dúvida, a grande novidade na história partidária brasileira, o aparecimento do PT. A novidade consistiu na combinação inédita que o partido conseguiu realizar de dois traços: de um lado, como conseqüência da gradual afirmação da forte liderança sindical de Lula e do poder catalisador que veio a ter junto a outros setores comprometidos com idéias progressistas, nos movimentos sociais e na Igreja, o partido veio a representar singular promessa de atuação orientada por princípios éticos e ideológicos (em particular certo compromisso redistributivo), capaz de conjugar militância aguerrida com disciplina partidária; de outro lado, o simbolismo popular difuso ligado à figura de Lula trazia um elemento propício à inserção bemsucedida no jogo eleitoral, com seu inevitável componente populista nas condições gerais do Brasil.

As modificações dramáticas no cenário internacional acarretadas pela derrocada mundial do socialismo tornaram possível que a atração pessoal exercida por Lula e a militância aguerrida do PT viessem a ensejar um experimento impensável no quadro anterior de Guerra Fria: a chegada à presidência da República, em 2002, do líder operário de um partido de esquerda, de programa socializante e retórica radical. Não obstante os temores inicialmente suscitados no establishment, que cercaram a eleição daquele ano da ameaça de crise catastrófica, esse evento acabou por representar uma oportunidade singular de aprendizado geral e um teste decisivo para a democracia brasileira, permitindo seu acesso a um novo patamar institucional. Parte importante do aprendizado realizado foi o de moderação e equilíbrio por parte de Lula e do PT, substituindo as propostas socialistas originais por políticas sociais de orientação social-democrática conjugadas com a continuidade de políticas econômico-financeiras austeras. As origens ideológicas do PT levaram, à esquerda, não só a cobranças baseadas na visão equivocada de que, com a moderação ocorrida, não teríamos tido um teste autêntico de nossa democracia (que dependeria, nessa ótica, da aposta obviamente precária de que a democracia viesse a ser o enquadramento institucional de um governo propriamente revolucionário - e sobrevivesse a ele...); tais origens estão também claramente subjacentes à arrogância ideológica que se transvestiu no tosco "realismo" da compra de apoio parlamentar desvendado na grande crise de 2005, na qual a própria imagem de apego a princípios e compromisso ético do partido se viu comprometida.

As dificuldades daí resultantes colocaram em xeque o processo inédito de construção institucional na faixa partidária que a mescla petista parecia envolver. Seguiu-se o afastamento, em grau importan- te, entre o partido como tal, submetido a cisões e defecções, e a liderança pessoal de Lula, que, tendo tido certamente seu pior momento na crise de 2005, terminou por reeleger-se com grande votação para um segundo mandato e por alcançar altíssimos níveis de popularidade na esteira dos êxitos da política social e econômica. Tais êxitos culminam mesmo na súbita elevação do status do país na cena mundial, impulsionada pela dinâmica econômica propícia já de há algum tempo, mas sem dúvida incorporando a imagem de Lula como fator coadjuvante.


Democracia e redistribuição: Brasil e América Latina
Dois aspectos podem ser destacados como especialmente signi- ficativos nessa situação. O primeiro é o mencionado fortalecimento institucional da democracia brasileira. Dificilmente se poderia exagerar, mesmo pondo de lado os êxitos indicados, a importância de uma presidência PT/Lula que chega ao fim do segundo mandato num quadro de normalidade institucional.

Naturalmente, dado o nosso longo pretorianismo e o protagonismo há muito exercido pelas forças armadas, a questão decisiva é aqui a da "domesticação" institucional dos militares e de até que ponto ela se terá cumprido cabalmente. Acabamos de ter, com a retomada da discussão em torno da Lei de Anistia de 1979 a propósito do III Programa Nacional de Direitos Humanos e o empenho do governo em aplacar a insatisfação exibida por chefes militares, clara indicação de que o assunto não se encontra inteiramente resolvido. Contudo, mesmo se o trato com os militares persiste como algo delicado para o governo em circunstâncias em que a memória dos pesados custos da longa ditadura de 1964 ainda está bem viva, nada parece justificar a idéia de que tenhamos uma "crise militar" efetiva, ou temores análogos aos que marcavam com freqüência o período pretoriano de nossa história recente: não há como cogitar a sério de golpe militar, e a definitiva inserção democrática das forças armadas no quadro político-institucional brasileiro, com a superação do "complexo de sublevação" que elas compartilhavam com outros setores de nossas elites, parece não ser senão questão de tempo.

Seja como for, temos aqui algo que subsiste como relevante nos embates da atual cena política brasileira, dizendo respeito a como lidar com a memória da ditadura e, em particular, com o tema da anistia e dos esforços de certos setores para obter a revisão judicial da lei correspondente e, assim, possibilitar a punição dos envolvidos nos crimes da repressão, especialmente a tortura. A questão principal que o problema encerra é o equilíbrio a ser alcançado entre o apego a um realismo necessário à superação dos conflitos que produziram a ditadura e se aguçaram com ela, de um lado, e, de outro, o empenho normativo de fazer justiça.

Como elaborado por alguns, especialmente Paulo Bros- sard em artigo de jornal que circulou no início de 2010 na internet ("Anistia é irreversível"), o objetivo da anistia, em vez de fazer justiça, foi o de pacificar o país, criando condições propícias à implantação e à eventual consolidação da democracia. Essa perspectiva é convergente com análises de cientistas sociais sobre o processo de transição à democracia na América Latina e em outras partes, que recomendavam o reconhecimento realista das assimetrias de poder e destacavam, em especial, a necessidade de acomodar os interesses da corporação militar como forma de tornar a transição efetivamente possível.

No debate corrente sobre a Lei de Anistia, porém, esse ânimo realista tem sido substituído, nos setores de opinião de esquerda, pelo problemático apelo à contraposição entre "crime político" e "crime comum", em que a idéia de crime político acaba por legitimar as ações daqueles que, por terem na cabeça certa idéia que presumem permitir organizar melhor o Estado e a sociedade, se sentem autorizados a recorrer à violência.

Apesar da tendência da imprensa a tratar às vezes as vítimas da ditadura como "opositores do regime que pegaram em armas", é claro que a ditadura, com seus crimes inequívocos e hediondos, se confrontou também com uma cultura de violência que havia tempos vinha se difundindo, marcada pela romântica aceitação da violência em nome de objetivos políticos supostamente nobres (uma última violência para por fim à violência sistêmica...), sob a influência de idéias marxistas ou por motivos de inspiração até diretamente religiosa.

Mas pode-se ver também o realismo a operar em surdina, por assim dizer, mesmo na posição ansiosa por fazer justiça. Pois a disposição de caça aos torturadores que subsiste faz vista grossa para o fato de que eles eram, afinal, "pau mandado" dos chefes maiores do regime ditatorial, que não se procurou levar ao banco dos réus. O que acaba convergindo com a hipocrisia contida na famosa manifestação em que Pedro Aleixo, opondo-se ao Ato Institucional nº 5 mas evitando enfrentar-se com os chefes militares, declarava que o motivo de preocupação eram as arbitrariedades que viriam não do presidente da República, mas do guarda da esquina.

Como quer que seja, não obstante as reservas que talvez se justi- fiquem quanto à timidez da justiça brasileira sob a ditadura, cabe ver com bons olhos, em perspectiva mais ampla sobre a dinâmica política do país, as decisões do Judiciário que têm preservado a simetria pacifi- cadora da Lei de Anistia - ainda que cumpra reconhecer, sem dúvida, que os fatos do sombrio período ditatorial de nossa história recente devem ser desvendados e trazidos ao conhecimento de todos.

Quanto ao segundo aspecto significativo acima anunciado com respeito ao panorama político atual, ele se refere à nova forma adquirida pela presença da "questão social" no processo político-eleitoral do Brasil. Naturalmente, a questão social se faz presente há tempos, desde que o fosso social herdado da escravidão começou a combinarse com a mudança social, a concentração da população nas cidades e o grande crescimento do eleitorado. Durante muito tempo, porém, o resultado dessas mudanças em termos político-eleitorais foi a forma "clássica" de populismo, caracterizada, como nas análises de Torcuato di Tella, pelo apelo ao "povão" por parte de lideranças de elite e contendo claro componente fraudulento, que se integrava como contraponto no quadro geral de instituições frágeis e pretorianismo.

Agora, é talvez possível continuar a falar de "populismo", ou ver o caso de Lula como parte de uma nova onda populista na América Latina, que alguns identificam em casos como o dos Kirchner, na Argentina, e os de Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador). Mas é problemático separar aquilo que justifique a carga negativa da idéia de populismo, de um lado, e, de outro, a simples operação da democracia num contexto de desigualdade e de massas material e educacionalmente carentes.

O que temos visto, no Brasil e em países como Bolívia, Venezuela e Equador, marcados estes últimos por turbulências recentes, tende a corroborar algo que a sociologia política vem salientando de novo com força: se a democracia chega a operar de modo a incorporar as maiorias populacionais, ela se torna fatalmente redistributiva. Os dados mostram redistribuição efetiva nos países em questão, o Brasil incluído (e surpreendentemente, como têm revelado as pesquisas do Latinobarômetro, com apoio crescente à democracia nos três países vizinhos, não obstante as turbulências).

Em nosso caso, de todo modo, o lulismo, combinando simbolismo popular e empenho redistributivo, resultou em algo inédito nas disputas presidenciais, tendendo a caracterizar o processo eleitoral de maneira mais geral: a intensa correlação, que transpareceu com nitidez especial na eleição de 2006, entre o apoio eleitoral a um candidato ou outro e a posição socioeconômica dos eleitores - com as projeções regionais dessa correlação. Não é casual, naturalmente, que o tema da política social se tenha imposto de forma saliente na campanha daquele ano, e prometa continuar a ser um tema de decisiva relevância nas disputas futuras.

Um único centro social-democrata?
As coisas são incertas, porém, quanto ao aspecto da eventual institucionalização partidária. A alternativa realisticamente concebível ao modelo idealizado de "política ideológica" que tem predominado entre nós é a de um sistema partidário em que a percepção desinformada e difusa dos interesses em jogo permita, mesmo se influenciada por fatores personalistas e "espúrios" do ponto de vista daquele modelo, a identificação estável com alguns partidos, podendo assim servir de suporte a políticas orientadas por perspectiva de longo prazo.

Pesquisas sobre identificação partidária no Brasil têm mostrado que ela não ocorre senão numa minoria do eleitorado (cerca de 35% dele em 2002), incluindo proporção apreciável da minoria sofisticada e politicamente atenta. Isso pode ser comparado, por exemplo, com números relativos aos Estados Unidos: informações do portal Rasmussen Reports de meados de 2009 mostravam que 36,8% dos adultos estadunidenses se consideravam democratas e 33,3% se diziam republicanos; sem embargo das oscilações nas proporções de identificados com um partido ou outro ou de "independentes", o total de identificados gira há anos, naquele país, em torno dos 70%.

Por outra parte, pesquisas sistemáticas revelam com abundância os matizes envolvidos nas relações entre as identificações partidárias, de um lado, e os debates programáticos ou as posições a serem adotadas em circunstâncias diversas, de outro. Já o caso clássico dos partidos socialistas originalmente revolucionários é instrutivo, pois a solução representada pelo partido para o problema da identidade pessoal de seus membros acaba por preponderar sobre os objetivos "instrumentais" da ideologia revolucionária e por dar a esta última uma feição ritualística que permite a convivência pragmática com o capitalismo.

Mas pesquisas experimentais recentes nos Estados Unidos mostram, na verdade, o componente propriamente "irracional" das identificações partidárias. Elas revelam, por exemplo, que as pessoas identificadas com um dos dois grandes partidos tenderão a perceber suas próprias posições sobre um assunto como sendo expressas pelo candidato de seu partido mesmo quando ele se opõe a ela sem ambigüidades e o candidato do outro partido tem posições inequivocamente mais próximas; ou que as simpatias ou antipatias ditadas pela identificação partidária fazem que os efeitos de informação deliberadamente falsa sobre figuras ligadas a um partido ou outro persistam, na avaliação das pessoas, mesmo depois de desvendada com toda a clareza sua falsidade.

Mas velhos dados de pesquisas brasileiras referidos ao confronto entre MDB e Arena durante o regime autoritário de 1964 são também de interesse, mostrando com nitidez, na simplicidade artificial do bipartidarismo imposto, os limites de considerações programáticas relativas a questões diversas, e dando até a aparência de banalidade às constatações permitidas. Assim, nos casos em que as pessoas, de maior ou menor informação, declaravam identificar-se com um partido ou outro, a congruência ou a incongruência percebida por elas entre as suas posições pessoais e as dos partidos sobre os temas supostamente "quentes" do momento era quase inteiramente irrelevante no condicionamento de sua decisão de voto.

Quer atribuíssem à Arena, por exemplo, posição contrária ou a favor de eleições populares diretas para os cargos políticos, quer tal posição correspondesse ou não à que declaravam ser a sua própria, quer simplesmente desconhecessem a posição do partido a respeito, os eleitores estudados concentravam maciçamente seus votos no partido de sua preferência, fosse MDB ou Arena - e só entre os que não declaravam identificação com algum dos partidos é que temas diversos produziam dispersão no voto.

Tudo isso deixa ver a força da identificação partidária, que conforma vigorosamente - ao ponto da irracionalidade - as disposições políticas em contextos diferenciados. Mas o que sugerem os dados brasileiros citados é talvez especial. Se nos outros casos se pode falar de longa efervescência ideológica em torno de partidos socialistas ou da atual "guerra cultural" nos Estados Unidos, de que os partidos têm sido atores destacados, no caso de Arena e MDB trata-se de mero artifício "institucional" recém-inventado por uma ditadura. E a sugestão é de que é fácil, de certo modo, produzir a identificação partidária e seus efeitos: basta que o sistema partidário se superponha "adequadamente" (como providenciaram inadvertidamente os ditadores) ao fosso social do país e à simplicidade com que surge na consciência popular.

A grande pergunta a respeito da eventual consolidação de nosso sistema partidário é a de se e quando virá a produzir-se a identificação partidária estável na massa dos eleitores menos envolvidos politicamente (os cerca de 65% não identificados que indicavam as pesquisas de 2002), independentemente do caráter menos ou mais sofisticado ou "ideológico" dessa identificação. Condição crucial para isso seria a estabilidade da "oferta" partidária, que tem sido impedida nas tropelias de nossa história política.
Em termos da perspectiva proposta por Pizzorno, esboçada no início deste artigo, o caso brasileiro envolve especificidades significativas. Questões de igual-diferente relativas ao enfrentamento de etnias e culturas jamais tiveram presença relevante na vida política do país.

Não obstante a importância das características raciais como fator de estratificação social, diferenças raciais como tal, à parte os equívocos de certo movimento negro brasileiro, não são necessariamente o fundamento de diferenças culturais e étnicas. De toda forma, as identidades politicamente relevantes são claramente, em nosso caso, as relativas a questões de igual-desigual. E, no jogo entre os fatores mobilizadores e desmobilizadores do legado escravista e de sua superação na dinâmica socioeconômica, a indagação é se viremos a ter o jogo político democrático marcado pela convivência sadia que Pizzorno aponta entre, de um lado, a divergência, como estímulo necessário à participação e à política virtuosa que vá além do "profissionalismo" político negativo, do clientelismo e da mera busca do ganho privado, e, de outro lado, a possibilidade de construção pragmática de consenso nas sucessivas esquinas da conjuntura em que sempre vivemos.

É de se esperar que a estabilidade institucional básica que aparentemente alcançamos, com a superação da feição mais abertamente pretoriana do processo político (mesmo se a superação real do fosso social continua a exigir larga perspectiva de tempo), venha a permitir o avanço quanto à institucionalização partidária nos termos modestos sugeridos quanto à natureza das identificações partidárias. O último par de décadas pareceu corroborar a expectativa: o que a experiência do PT teve de singular se conjugou com o repetido enfrentamento eleitoral com o PSDB, de forma a sugerir que se viessem a criar em torno dos dois partidos as identificações estáveis que eventualmente redundassem num sistema partidário simplificado e consolidado, com, entre outras coisas, a neutralização do êxito até aqui obtido pela postura excessivamente clientelista e pragmática que orienta o fragmentário enraizamento regional do PMDB.

Mas, se a crise petista ensejou que o PT acabasse, em ampla medida, cedendo o passo ao lulismo, ela resultou também, ironicamente, em crise do PSDB: sucessivas derrotas em eleições para a presidência, certo vezo oligárquico da dinâmica interna que transforma a escolha de candidatos presidenciais em ameaça à coesão partidária, falha em encontrar o discurso alternativo a um lulismo inflado por avassalador apoio popular, o que impele o candidato pessedebista a presidente na eleição de 2010, José Serra, a pouco menos do que se declarar ele próprio lulista. E o êxito no enquadramento partidário de nossa democracia parece requerer que venhamos a ter novidades significativas em relação ao cenário atual.

Há nesse cenário, contudo, aspectos que podem talvez ser apreciados de maneira mais positiva. Um deles, que tem sido salientado na imprensa, é o de que o PSDB, apesar da dificuldade de opor-se com efi- cácia ao lulismo, mantém a perspectiva de continuar a controlar governos estaduais importantes, e mesmo a hipótese de derrota do partido na disputa presidencial de 2010 não tem por que ser lida como redundando em desastre irremediável para ele.

Por outro lado, não obstante os sérios percalços da experiência do PT como partido peculiar entre nós e as reservas que o personalismo da liderança de Lula possa justificar, a força mesma adquirida pelo lulismo, em sua conexão com a penetração do processo político-eleitoral pela questão social, pode ser avaliada como ajudando a trazer uma feição social-democrática à arena em que deverão desdobrar-se os principais enfrentamentos político-partidários no país.

A ampla união de forças progressistas no MDB durante a ditadura e a força eleitoral daí resultante para o partido sugerem a possibilidade teórica de uma espécie de grande MDB social-democrático. Se esse caminho se mostrou pouco viável, e se surge mesmo como indesejável na perspectiva de uma dose saudável de divergência, é com certeza positivo que, sucedendo-se à instabilidade associada com extremismos e com a confrontação de posições radica- lizadas, venha talvez a ser possível encontrar as condições da estabilidade institucional, como nas experiências especialmente européias do pós-Segunda Guerra Mundial, num espaço de disputas definido em termos social-democráticos. Ele se ajusta não só à proposta que deu o próprio nome ao Partido da Social-Democracia Brasileira, mas também à posição para a qual o duro aprendizado do PT eleitoralmente vitorioso e no exercício do governo o fez refluir.

Reforma política
A questão geral das perspectivas de estabilidade político-institucional leva ao tema da reforma política, que se associa, em seu caráter recorrente, ao da corrupção em suas faces variadas. Sucintamente, cabe destacar duas proposições a respeito.

A primeira refere-se ao papel das normas e a sua dupla feição, quer como componentes culturais de um contexto viscoso e resiliente (o que tenho chamado "o institucional como contexto"), quer como objetos passíveis de manipulação deliberada no nível da aparelhagem institucional-legal ("o institucional como objeto").

Em vez da postura edificante que conta com uma espécie de apropriada "conversão" coletiva, não podemos esperar ser eficazes em prazos relevantes senão na ação dirigida ao institucional como objeto - ou seja, na elaboração e na implementação rigorosa de leis que alterem as expectativas dos atores e lhes afetem o cálculo. A aposta é a de que assim possamos eventualmente ver cumprir-se o preceito sociológico segundo o qual expectativas que se reiteram e corroboram acabam por transformar-se em prescrições ou normas, com a eventual mudança em direção propícia da cultura mesma e do contexto que representa. Naturalmente, as chances de que os fatos corroborem as expectativas propícias aumentam com a divergência de que fala Pizzorno e com a convivência vigilante de identidades partidárias em confronto.

Do ponto de vista específico da reforma política, de todo modo, penso que, contra o convite à passividade que encontramos em certos analistas, cabe extrair do realismo da aposta no condicionamento do cálculo dos agentes e de suas expectativas o ânimo de experimentar com dispositivos legais como os relativos a fidelidade partidária, cláusulas de barreira, regras sobre coligações, adequada combinação de princípios majoritários e proporcionais, listas partidárias fechadas ou "flexíveis"...

A segunda proposição vincula a perspectiva empenhada na reforma a certo diagnóstico da natureza da "crise ética" que estaríamos vivendo no momento, com a intensa corrupção política.

Esse diagnóstico vê a intensificação da corrupção como conseqüência da democratização do país: cento e trinta milhões de eleitores num Brasil desigual significam peso político decisivo para os "menos iguais" e, supõe-se, correspon- dente deterioração intelectual e ética na qualidade da representação política. Mas, à parte as muitas fantasias sobre a qualidade intelectual e ética de nossa velha representação oligárquica, é clara a distorção envolvida em omitir, a propósito dos nossos problemas ético-políticos de hoje, a longa tradição de estado cartorial, clientelismo e quejandos que vicejava como parte da política oligárquica (e cujos mecanismos subsistem e moldam de muitas formas o presente) e destacar, ao revés, a democratização que solapa essa política justamente ao criar potenciais focos divergentes de identificação e mobilização que gradualmente se atualizam.

O elitismo do diagnóstico é desatento aos pesados traços estruturais negativos do nosso ponto de partida e aos difíceis constrangimentos que este segue impondo ao jogo político como conduto inevitável de possíveis avanços.
Um último ponto. Avaliações recentes da conjuntura política brasileira têm salientado a feição de "Estado-amálgama" que caracterizaria o governo Lula, no qual um Estado ativo trata de envolver as forças variadas da "sociedade civil" e supostamente lhes compromete a autonomia. Mas, nas condições do nosso fosso social e de precárias tradições institucionais, é patente o risco de que o jogo que se decidisse no nível da sociedade civil como tal redundasse, como sempre, em transpor sem mais para o plano das políticas do Estado as assimetrias profundas que a caracterizam.

Em outras palavras, não há como escapar de dose importante de paternalismo como traço distintivo do Estado democrático, que não será aquele forçado a limitar-se a responder à capacidade diferencial de pressão de interesses de poder desigual.
Ora, como os êxitos da social-democracia "neocorporativa" demonstraram - apesar das vacilações produzidas pela onda recente de fundamentalismo de mercado, já agora em retirada diante de crises cada vez maiores -, esse traço se liga com a necessária acomodação dos interesses diversos pela ação do Estado, ou mesmo, em alguma medida, no âmbito do próprio Estado.

Note-se que, no caso brasileiro, a desigualdade se reflete, à parte a tese da "perda de qualidade" da representação, na extração social dos membros do próprio Legislativo, não obstante sua escolha por meio de eleições - assim como se reflete, em surdina mas de modo bem claro, no funcionamento de um Judiciário composto por membros doutos, que supostamente decidirão imparcial e isentamente com base na lei. Cumpre talvez procurar assegurar que nosso processo eleitoral traga mais nitidamente a característica de "amálgama" socialmente integrador ao Legislativo, que possa assim agir com eficiência de forma a neutralizar certo ativismo frequentemente torto do Judiciário a que nos vimos habituando.


[1] Pizzorno, A. "Su democrazia esfera pubblica immaginaria". Sociologica,
2008, nº 3, pp. 1-22.

[2] Cambridge/Nova York, Cambridge University Press, 1995.

[3] Finley, M. I. Ancient slavery and modern ideology. Nova York: Viking
Press, 1980.

[4] Tenho evocado a respeito um editorial d'O Estado de São Paulo de 1º
de janeiro de 1901, republicado pelo jornal em 31 de dezembro de 1999, a
propósito da virada do século XX para o XXI, e cujo interesse consiste na
candura com que transparecem o eurocentrismo e o racismo da elite brasileira
do imediato pós-escravismo. A imagem do Brasil que o editorial deixa
entrever é a de um país europeu que acontecia ter recorrido às conveniências
da mão-de-obra escrava africana - e agora a via transformada num
problema.

fonte: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1390

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DEPOIMENTO FÁBIO KOFF: "A ruptura do Clube dos 13 é coisa da CBF e da Globo"


A ruptura do Clube dos 13 é coisa da CBF e da Globo

Dirigente acusa Ricardo Teixeira e Marcelo Campos Pinto(GLOBO) por racha

SÓ ME RESTA LUTAR ATÉ O FIM. SE CAIR, CAIR DE PÉ. QUEM SABE SE NÃO LANÇO AGORA A LIGA?


JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA

Na tarde da última quarta- -feira, recebi em meu escritório, no andar de cima de minha casa, o presidente do Clube dos 13, Fábio Koff.
Havia alguns anos que não nos falávamos, fruto de divergências sobre os rumos da entidade que ele dirige. E de críticas ácidas, respondidas por ele no mesmo tom.
Considero que o reencontro de anteontem foi fruto da autocrítica de quem quer retomar um caminho, mesmo que pareça tarde demais.
Na despedida, e fiz questão de ir com ele até o carro, ouvi: “Estou velho para poder ter tempo de fazer novas reconciliações. Tenho certeza de que, com você, não será preciso mais nenhuma”.
Abaixo, seu depoimento, o mais fiel possível porque não foi gravado, mas submetido a ele antes da publicação.
“Não vim para me justificar. Até porque as coisas que não fiz não as fiz ou porque não soube, não tive competência ou força para fazer. E algumas vezes fraquejei.

Errei ao aceitar ser chefe da delegação da seleção brasileira na Copa da França. E fui muito criticado por isso, com razão de quem criticou.
Não queria ir, pensei em dizer não ao convite, mas até minha mulher argumentou que eu vivia criticando e que não poderia recusar ao receber aquela responsabilidade.
Fui, convivi pouco com o Ricardo [Teixeira, presidente da CBF], ele lá, eu cá, mas não posso negar que ele é tão poderoso como abjeto.

Fui traído muitas vezes ao longo desses anos, embaixo do pano, na calada da noite.

O Marcelo [Campos Pinto, principal executivo da Globo Esportes] e a CBF implodiram a FBA [empresa que geria a Série B] e fizeram um contrato de adesão da Série B.
Os clubes fecharam por R$ 30 milhões até 2016, quando poderemos chegar a R$ 1 bilhão por ano. Isso é inaceitável, os clubes menores vão morrer. Vão matar o futebol.

Fraquejei ao não fazer a Liga dos Clubes, como era nosso projeto de vida. Não me senti forte, respaldado o suficiente. O temor em relação a retaliações da CBF é grande, a ponto de ela ter extinguido o conselho técnico dos clubes e ninguém reclamar.

Esta ruptura do Clube dos 13 é coisa do Ricardo e do Marcelo. Eles são vizinhos de sítio e tramam tudo nos churrascos que fazem.

O Andres Sanchez veio até minha sala, encheu-me de elogios e avisou que o Corinthians ia sair. Eu até disse que entendia, que admitia que quem entra pode sair, mas que queria saber o motivo. Ele disse que, quando alguém pega um rumo, tem de ir até o fim. “Mas que rumo?”, perguntei. “O rumo, o rumo”, respondeu.
Convidei-o para a reunião. Ele disse que não, que era assunto para o Rosenberg [Luis Paulo Rosenberg, diretor de marketing do Corinthians].
Ele foi embora, mas tem dívida lá para pagar. Se pagar, ficará claro, para o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], inclusive, quem pagou.
Não falou nada em lisura e está cansado de saber que ganho, líquido, coisa de R$ 52 mil, mais dinheiro do que vi em toda minha vida de juiz, é verdade, mas salário a que faço jus e que, por iniciativa minha, é menor do que deveria ser pelo que fora decidido em Assembleia Geral.
Se prevalecesse a porcentagem sobre o contrato com a TV, seria muitíssimo maior, poderia chegar a R$ 5 milhões por ano, o que evidentemente seria um exagero.

Quanto a termos avisado os concorrentes sobre o ágio concedido à Globo, qual é o problema? Falamos com todos mesmo, com a Globo inclusive, que reagiu muito bem, em ligação que fiz à Márcia Cintra [braço direito de Marcelo Campos Pinto].

Juro que não queria mais uma reeleição. Mas, quando vi a armação para eleger o Kléber Leite, sem nenhuma conversa comigo, até meus filhos e minha mulher, que não queriam mais que eu ficasse, acharam que não, que eu tinha de ir para a luta.
E eu disse com todas as letras para o Marcelo que aquilo era coisa dele e do Ricardo. Ele desconversou, perguntou como estava a saúde de minha mulher, aquela coisa melíflua que ele faz sempre que é pego em flagrante.
E eles compraram votos, empréstimo para um, adiantamento para outro, mas não passaram de oito votos porque nós também trabalhamos sem descanso.

Antes, tinham nos oferecido pegar a segunda divisão para administrar, mas a proposta era tão iníqua que eu me revoltei e denunciei, o que deixou o Marcelo muito irritado. Ele não está acostumado a ser contrariado.

A gota d’água definitiva foi o contrato que o Palmeiras quis fazer no uniforme do Felipão, e a CBF disse que não podia porque era direito de comercialização dela, por causa de um artigo no regulamento das competições que, evidentemente, foi escrito pelo Marcelo, como eu disse para ele, por conhecer o estilo de escrita dele. E ele, constrangido, negou.

Notifiquei judicialmente a CBF. O Ricardo ficou uma fera. Soube que falou palavrão, perguntou quem tinha feito a “cagada”, ao mesmo tempo em que não se conformava porque, em vez de falar com ele, eu o havia notificado.

Ele resolveu que não falaria mais com o Clube dos 13, que só receberia clubes por intermédio das federações estaduais e que o Clube dos 13 não tinha existência legal porque não está no sistema esportivo nacional.

Na hora de pensar no contrato dos direitos do Brasileiro, fui ao Cade tratar do direito de preferência da Globo, que inviabilizava qualquer concorrência. Foi a vez de o Marcelo não me perdoar.

Azar dele. Montamos uma comissão de negociação em que fiz questão de dividir com dois eleitores que votaram em mim e dois que não votaram. Dei carta branca ao Ataíde Gil Guerreiro [diretor-executivo do C13], empresário vitorioso, competente e independente. O resultado do trabalho é precioso.

Só me resta lutar até o fim. Se cair, cair de pé. Quem sabe se não lanço agora a Liga?
Saio de sua casa honrado por nosso reencontro, disposto a ouvir as críticas que merecer e a lutar para, quem sabe, ajudar a evitar também a roubalheira que querem fazer em torno da Copa.

Aliás, e o Orlando Silva Jr.? Que decepção! Mas confio na Dilma. Ela não permitirá a farra que querem fazer.

Enfim, lamento ter perdido um companheiro como o Belluzzo [Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-presidente do Palmeiras], um homem de bem, bem preparado, que fez um trabalho para refinanciar as dívidas dos clubes exemplar, estabelecendo teto para se gastar com futebol e escalonando o pagamento da dívida de maneira transparente, muito melhor que essa Timemania, que é uma bobagem.

E lamento que o Juvenal [Juvêncio, presidente do São Paulo] tenha se desgastado com os demais dirigentes do Clube dos 13, porque ele era o meu sucessor natural.

Minha vida foi toda muito boa, não posso me queixar e não me arrependo de nada, a não ser de poucas coisas no futebol que faria diferente. Cheguei ao C13 com um contrato de R$ 10,6 milhões, feito pela CBF. Nada no mundo se valorizou tanto como nossos direitos de transmissão.

Não sou homem de desistir e, com 80 anos, dou-me o direito de estar meio rabugento. Vamos ver como vou fazê-los engolir a rabugice.“

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De Trípoli, ontem



por Robert Fisk, The Independent, UK

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Mais de 15 mil homens, mulheres e crianças sitiados no aeroporto internacional de Trípoli, na 4ª-feira à noite, gritando e berrando por lugares nos poucos aviões ainda preparados para partir do arruinado estado de Muammar Gaddafi, pagando propina depois de propina a cada policial líbio que aparece, para tentar aproximar-se dos balcões de venda de bilhetes, uma multidão de famílias, encharcadas de chuva e famintas. Muitos foram espancados. Os guardas líbios espancam com selvageria os que tentam abrir caminho até os guichês.

Entre eles, muitos árabes parceiros de Gaddafi, milhares de egípcios, alguns dos quais estão vivendo no aeroporto há dois dias, sem comida nem sanitários. O lugar fede a fezes, urina e medo. Então, se você for um “cão” da imprensa internacional, a única chance de ver a capital de Gaddafi é uma escapada de 45 minutos ao centro da cidade, para tentar comprar outro bilhete, para qualquer destino.

Veem-se poucos sinais de oposição ao Grande Líder. Esquadrões de jovens, armados com rifles Kalashnikov estão pelas ruas, próximos de barricadas feitas com cadeiras viradas e portas de madeira. Mas são vigilantes pró-Gaddafi – eco remoto da “guarda de vizinhos” armada que vi no Egito há um mês – e colaram imagens do infame Livro Verde do líder nos painéis que marcam os pontos de controle.

Há pouca comida em Trípoli, e chove torrencialmente sobre a cidade. A água escorre em enxurrada pela Praça Verde deserta e pelas ruas italianizadas da velha capital da Tripolitania. Mas não se veem tanques, nem carros blindados, nem soldados, nem bombardeiros no céu; apenas alguns policiais e alguns idosos, homens e mulheres, parados pelas calçadas – uma população paralisada. Infelizmente para o ocidente e para a população da cidade livre de Benghazi, a capital da Líbia parece tão calma como nos sonhos de qualquer ditador.

Mas a calma é ilusória. Os preços da gasolina e dos alimentos triplicaram; cidades inteiras, nos arredores de Trípoli foram rachadas ao meio nos combates entre forças pró e contra Gaddafi. Nos subúrbios da cidade, sobretudo no distrito de Noufreen, houve 24 horas de combate direto, com metralhadoras e pistolas, batalha que as forças pró-Gadaffi venceram. No final, o êxodo dos expatriados será muito mais efetivo do que qualquer combate, para derrubar o regime.

Ouvi que pelos menos 30 mil turcos – a base da indústria líbia de engenharia e construção – já deixaram a capital, além de outras dezenas de milhares de trabalhadores estrangeiros. No voo em que parti de Trípoli, voo de evacuação para a Europa, viajavam empresários poloneses, alemães, japoneses e italianos, e todos me disseram que haviam fechado grandes empresas no país, na semana anterior. Ainda pior para Gaddafi, os campos de petróleo, petroquímica e urânio da Líbia estão todos localizados na cidade “libertada” de Benghazi. A faminta capital de Gaddafi só controla os recursos de água; alguma divisão temporária da Líbia, que pode ter passado pela cabeça de Gaddafi, não é sustentável. Para os líbios e expatriados com os quais falei ontem, o ditador enlouqueceu, está clinicamente insano; mas mostraram-se mais furiosos contra o filho, Saif al-Islam. “Pensávamos que Saif seria uma nova luz, o liberal” – disse-me um comerciante líbio. “Agora, se vê que é ainda mais louco e mais cruel que o pai”.

O pânico que tomou conta do que resta da Líbia de Gaddafi era absolutamente visível no aeroporto. Na massa de gente disputando bilhetes, um homem – como testemunhou um comerciante japonês de veículos, evacuado para Tóquio – foi espancado tão furiosamente na cabeça que “o rosto partiu-se ao meio”.

Falando com líbios em Trípoli e com expatriados no aeroporto, sabe-se com certeza que nem tanques nem blindados foram usados nas ruas de Trípoli. Houve ataques aéreos contra Benghazi e outras cidades, mas não contra a capital. Mas muitos falaram de ondas de assaltos e saques, por líbios, para os quais Gaddafi estaria acabado depois de perder Benghazi, e o país, entregue à anarquia.

No centro da cidade, praticamente todas as portas estão fechadas. Todos os escritórios e lojas estrangeiras foram fechadas, inclusive as companhias aéreas internacionais, e todas as padarias que vi. Há boatos de que membros da família Gaddafi estariam tentando deixar o país. Depois de desmentido o falatório de William Hague, de que Gaddafi teria viajado para a Venezuela, vários líbios com os quais conversei disseram que o único país onde Gaddafi pode tentar esconder-se é Burkina Faso. Há duas noites, um jato privado líbio aproximou-se do aeroporto de Beirute, mas não recebeu autorização para pousar, porque a tripulação recusou-se a identificar os oito passageiros. Ontem à noite, o avião da Libyan Arab Airlines no qual viajava a filha de Gaddafi, Aisha, não recebeu autorização para pousar em Malta, como noticia a Al-Jazeera.

Os muçulmanos xiitas do Líbano, Iraque e Irã consideram Gaddafi responsável pelo assassinato do Imã Moussa Sadr, suposto místico carismático que, mal adivinhando o próprio futuro, aceitou convite para visitar Gaddafi em 1978 e, depois do que foi divulgado como discussão sobre dinheiro, nunca mais foi visto. E também nunca mais ninguém soube do jornalista libanês que o acompanhava naquela visita.

Embora nunca tenha sido o forte dos líbios, ficou provado ontem, no aeroporto de Trípoli, que há humor negro também por lá. Um passageiro que desembarcava de um voo da Libyan Arab Airlines, ao chegar a um dos guichês da imigração, gritou: “E vida longa ao nosso grande líder Muammar Gaddafi!”. Em seguida, soltou uma gargalhada – acompanhado, só na gargalhada, pelos funcionários da imigração.

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Oriente Médio: As cordas que movem o conflito


"Se os tchecos puderam ter sua liberdade, por que não os egípcios? Se os ditadores podem ser derrubados na Europa – primeiro, os fascistas, depois, os comunistas – por que não ocorreria o mesmo no grande mundo árabe muçulmano? E – só por um momento – deixem a religião fora disso." Robert Fisk

Hosni Mubarak denunciou que os islamistas estavam por trás da revolução egípcia. Bem Alí disse a mesma coisa na Tunísia, O rei Abdulá, da Jordânia, vê uma mão obscura e sinistra, a mão da Al Qaeda, da Irmandade Muçulmana, uma mão islamista por trás da insurreição que percorre o mundo árabe. No sábado, as autoridades do Bahrein descobriram que a mão ensanguentada do Hezbolah estava por trás dos levantes xiitas.

Como é possível que homens educados, mas singularmente antidemocráticos possam entender tudo tão errado? Confrontados com uma série de explosões seculares – Bahrein não está incluído nesta categoria – acusam os radicais islâmicos. O Xá cometeu um erro idêntico, no sentido inverso. Confrontado por um levante obviamente islâmico, ele acusou os comunistas.

Barack Obama e Hillary Clinton se esmeraram para dar uma pirueta mais rara. Havendo apoiado originalmente as “estáveis” ditaduras do Oriente Médio – quando deveriam estar ao lado das forças democráticas -, decidiram avalizar as reivindicações da democracia civil no mundo árabe justamente quando os árabes estão tão desencantados com a hipocrisia ocidental que não querem os Estados Unidos do seu lado. “Os norteamericanos interferiram em nosso país por 30 anos durante a era Mubarak, apoiando este regime e armando seus soldados”, me disse a semana passada um estudante egípcio na praça Tahrir. “Agora ficaríamos agradecidos se deixassem de interferir do nosso lado”, acrescentou. Ao final da semana, escutei as mesmas vozes em Bahrein. “Estavam nos baleando com armas estadunidenses e montados em tanques estadunidenses”, afirmou um médico na quinta-feira. “E agora Obama quer ficar do nosso lado?”, perguntou.

Os fatos dos últimos dois meses e o espírito anti-regime da inssurreição árabe – por dignidade e justiça, mas que por um emirado islâmico – ficaram em nossos livros de história por anos. E o fracasso dos mais próximos apoiadores do Islã será discutido por décadas. No sábado houve um especial interesse pelo último vídeo da Al Qaeda, gravado antes da queda de Mubarak, que enfatizava a necessidade de que o Islã triunfasse no Egito. No entanto, uma semana antes, as forças seculares, nacionalistas e honoráveis do Egito, homens e mulheres muçulmanos e cristãos, tinham se libertado do velho Mubarak sem nenhuma ajuda de Osama Bin Laden. Mais rara foi a reação do Irã, cujo líder supremo se auto convenceu de que a vitória popular egípcia era um triunfo do Islã. Dá para pensar que só Irã, Al Qaeda e seus mais ferrenhos inimigos, os ditadores árabes antiislâmicos, acreditam que a religião esteve por trás das rebeliões massivas dos manifestantes pró democracia.

A mais sangrenta ironia de todas – que acabou envolvendo Obama – foi que a República Islâmica do Irã estava louvando os democratas do Egito enquanto ameaçava executar seus próprios líderes democráticos opositores. Quase todos os milhões de manifestantes árabes que querem se ver livres da capa da autocracia – com nossa ajuda ocidental – viveram com medo e humilhação, e são muçulmanos. E os muçulmanos, diferentemente do Ocidente cristão, não perderam sua fé. Abaixo de pedras e dos cassetetes da polícia assassina de Mubarak, eles contra-atacaram gritando “Alá akbar” no que, para eles, não era uma “Jihad”, uma guerra religiosa, mas sim uma batalha pela justiça. “Deus é grande” e a demanda por justiça são afirmações concordantes. A luta contra a injustiça: esse é o espírito do Corão.

No Bahrein temos um caso especial. Aqui uma maioria xiita é dirigida por uma monarquia sunita. A Síria, de fato, sofreria de “bahreinitis” pela mesma razão: uma maioria sunita é governada por uma minoria xiita. Bom, ao menos o Ocidente em sua defesa do rei Hamad, do Bahrein, pode aferrar-se ao fato de que o Bahrein, como o Kuwait, tem um parlamento. É uma velha e triste besta, que existiu entre 1973 e 1975 até que foi dissolvido inconstitucionalmente e depois reinventado em 2001 dentro de um pacote de “reformas”. Mas o novo parlamento terminou sendo menos representativo que o primeiro. Os políticos da oposição foram acossados pela segurança do Estado e foram manipuladas as margens parlamentares para garantir que a minoria sunita seguisse com o controle do Parlamento.

Em 2006 e em 2010, por exemplo, o mais importante partido xiita do Bahrein ganhou só 18 das 40 cadeiras. Muitos me disseram que temem por suas vidas, que temem que as turbas xiitas os queimem em suas casas e os matem.

Tudo isso parece mudar. O controle do poder estatal tem que ser legitimado para ser efetivo e as balas para reprimir protestos pacíficos estavam destinadas a terminar em uma série de domingos sangrentos no Bahrein. Uma vez que os árabes aprenderam a perder seu medo, podem exigir os direitos civis que os católicos demandaram no passado na Irlanda do Norte. Ao final, os britânicos tiveram que destruir a liderança dos unionistas e trazer o IRA para compartilhar o poder com os protestantes. Os paralelos não são exatos e os xiitas não têm (ainda) uma milícia, apesar de o governo bahreiní ter mostrado fotografias de pistolas e espadas para apoiar sua opinião de que entre seus opositores há “terroristas”.

No Bahrein há, não é necessário dizer, uma batalha sectária e secular, algo que o príncipe reconheceu inconscientemente quando disse que as forças de segurança deviam reprimir os protestos para impedir a violência sectária. É uma visão mantida selvagemente pela Arábia Saudita, que tem um forte interesse na eliminação do dissenso em Bahrein. Os ânimos dos xiitas da Arábia Saudita podem se exaltar se seus correligionários do Bahrein arrasarem o Estado. Então, escutaríamos os líderes alardear a ameaça da República Islâmica do Irã. Mas essas insurreições interconectadas não deveriam ser vistas no simples marco de fermentação no Oriente Médio. O levante no Iêmen contra o presidente Saleh (que está há 32 anos no poder) é democrático, mas também é tribal. E não falta muito para que a oposição empunhe armas. O Iêmen é uma sociedade armada, há tribos com armas e nacionalismo endêmico. E ainda há o caso da Líbia.

Kadafi é tão estranho, tão próspero, seu domínio tão cruel (ele está no governo há 42 anos), que é um Ozymandias esperando para cair. Sua proximidade com Berlusconi – e, pior ainda, seu amor meloso com Tony Blair – não irão salvá-lo. Enfeitado com mais medalhas que o general Eisenhower, desesperado por uma operação que levante sua papada, este desgraçado está ameaçando sua própria gente com castigos “terríveis” por desafiar seu regime. Há duas coisas a lembrar sobre a Líbia: como o Iêmen, é uma terra tribal e quando se levantou contra seus fascistas colonos italianos, começou uma selvagem guerra de libertação, cujos valentes líderes enfrentaram a forca com uma coragem incrível. Só porque Kadafi é um louco, não quer dizer que seu povo seja idiota.
Então, há uma mudança no mundo político, social e cultural do Oriente Médio. Criará muitas tragédias, levantará muitas esperanças e derramará demasiado sangue. Talvez seja melhor ignorar os analistas e seus think tanks, cujos “especialistas” idiotas dominam os canais de televisão globais.

Se os tchecos puderam ter sua liberdade, por que não os egípcios? Se os ditadores podem ser derrubados na Europa – primeiro, os fascistas, depois, os comunistas – por que não ocorreria o mesmo no grande mundo árabe muçulmano? E – só por um momento – deixem a religião fora disso.


fonte: http://www.cartamaior.com.br

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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O estilo Dilma!



Dilma Rousseff confirma Meirelles à frente de Autoridade Olímpica

Ex-presidente do Banco Central chefiará o órgão que gerenciará as obras para as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro

Em audiência no Planalto, a presidente Dilma Rousseff apresentou nesta quinta-feira ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, uma proposta de nova medida provisória que criará a Autoridade Pública Olímpica (APO), órgão que gerenciará as obras das Olimpíadas de 2016. O texto, preparado pelo vice-presidente, Michel Temer, e pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, afasta qualquer possibilidade da prefeitura e do governo do Estado terem interlocução direta com o Comitê Olímpico Internacional (COI).
Cabral e Paes, que resistiam à ideia de um executivo com respaldo internacional no posto, ouviram ainda de Dilma que Meirelles será mesmo o chefe da APO. O governador pleiteava retirar Meirelles, considerado um nome independente no PMDB, para indicar um aliado fiel no cargo. Na conversa, Cabral conseguiu apenas expor a Dilma que Meirelles era da cota pessoal da presidente e não do partido.
Pelo texto, que está em análise na Casa Civil, a prefeitura e o governo do Estado terão espaço na composição do novo órgão, mas a "autoridade olímpica que estará nos holofotes da imprensa nacional e internacional será Meirelles". Passarão por ele projetos de obras tocadas pelo governo estadual e pelo município. Foi descartada a criação de uma estatal, a Brasil 2016, para realizar as obras e operar como um braço executor da APO. A estatal era pleiteada pelo PC do B, do ministro dos Esportes, Orlando Silva.
Nos últimos dias, interlocutores do Planalto usaram o arquivamento da proposta da Brasil 2016 para conter as reclamações de Cabral e Paes, de perda de espaço político nos Jogos do Rio. O Planalto argumenta que, sem a estatal executora, a prefeitura e o governo estadual tocarão as obras.
Cabral e Paes deixaram o Planalto sem esconder o desapontamento. Em entrevista após a audiência, no entanto, procuraram mostrar afinamento com o governo federal, elogiando a escolha de Meirelles, que terá um salário de R$ 21 mil e poderá preencher cerca de 500 cargos comissionados. Cabral chegou a dizer que a reunião com Dilma foi "extraordinária". "Esse ambiente harmônico vai dar resultado", afirmou. "Vamos fazer os melhores Jogos Olímpicos da história."
O governador evitou ataques à proposta de Temer e Meirelles. "Não há nada a comentar negativamente, pelo contrário, são apenas observações positivas", disse. "O ministro Antonio Palocci (Casa Civil) e a presidente nos apresentaram o conceito da APO, as suas responsabilidades", completou.
Cabral admitiu, na entrevista, que Meirelles teve papel importante no processo de candidatura e escolha do Rio como sede dos Jogos de 2016. "Meirelles é uma pessoa extremamente qualificada para a função", disse. Mais contido que Cabral, o prefeito Eduardo Paes desconversou ao ser questionado sobre o nome do ex-presidente do Banco Central para gerenciar as ações da Olimpíada. "Não se tratou de nomes na reunião", disse. O prefeito afirmou que o texto da nova medida provisória "atende" aos interesses dos três níveis de governo. "Se chegou a um consenso", se limitou a responder.

Fonte: Ig

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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

E ainda insistem em beatificá-lo


Sergio Lirio - http://www.cartacapital.com.br

Trechos inéditos do relatório da PF reforçam as provas contra Dantas

Inspirado no trabalho de Julian Assange, mas sem nenhum vínculo com a ONG comandada pelo australiano, um site anônimo autodenominado WikiLeaks Brasil publicou, na quinta-feira 3, partes inéditas do relatório final da Operação Satiagraha, que levou à condenação do banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão por tentativa de suborno. Os documentos são verdadeiros, apurou CartaCapital, e fazem parte do memorial encaminhado ao juiz Fausto Martin De Sanctis em 23 de junho de 2008 e assinado pela delegada Karina Murakami, atualmente licenciada da Polícia Federal.

Os trechos inéditos comprovam a maioria das acusações feitas contra Dantas: a intenção de usar a mídia para destruir reputações de desafetos, a contratação do espião israelense Avner Shemesh, sempre negada pelo Opportunity, para bisbilhotar a vida alheia, evidências de que os vultosos honorários pagos a escritórios de advocacia serviam, na verdade, para ocultar repasses a terceiros (a PF acredita tratar-se de pagamentos de propina), e novas provas do cerco a integrantes do governo e, principalmente, à então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, para que a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi fosse concretizada, como acabaria sendo. A maior parte do relatório baseia-se em ligações telefônicas e e-mails interceptados com autorização judicial.

Um dos alvos do grupo de Dantas era o juiz Ari Pargendler, presidente do Superior Tribunal de Justiça, onde repousam inúmeros processos de interesse do Opportunity. Em e-mails de fevereiro de 2008, Cristina Caetano, funcionária do banco, e o advogado Alberto Pavie discutem o momento de se iniciar o que eles mesmos chamam de “campanha difamatória” contra o magistrado.

Em 18 de fevereiro, escreve o advogado:

“Cristina,

Sobre o Pargendler não há data (…)

Sobre o dossiê Veja é claro que posso fazer (foi esse seu pedido expreso ([sic]).

Mas, sinceramente, não te parece que os criminalistas VÃO FECHAR A CARA PARA MIM???

Não seria melhor eles fazerem esse memorial e nos opinarmos.

Abç

Pavie

Minutos depois, responde a funcionária:

“Pavie,

Obrigada. Outro ponto: retomamos a conversa com o Moreira Alves? Nosso prazo para entrar com a campanha difamatória é no começo de março e se não formos fazer com ele, temos que achar outra pessoa”.

Não há registro, à época, de nenhuma acusação contra Pargendler publicada na revista Veja. Em outubro de 2010, o presidente do STJ virou notícia após um estagiário, que afirmou ter sido demitido sem motivo e de forma constrangedora, ingressar com um processo por assédio moral contra o ministro da corte.

Conhecido por pagar polpudos vencimentos a escritórios de advocacia, principalmente quando o dinheiro não é seu – uma auditoria na Brasil Telecom realizada após o afastamento do Opportunity do comando da operadora descobriu honorários anuais que variavam de 2 milhões a 20 milhões de reais sem a devida comprovação dos serviços prestados –, Dantas é atendido pelas maiores bancas do País. É possível que boa parte, a exemplo do senhor Pavie, preste-se a serviços, digamos, heterodoxos – e isso tem um preço fora da tabela, imagina-se. Mas o relatório da delegada Murakami deixa entrever que os pagamentos tinham outro destino. Diálogos entre Norberto Tomaz e Humberto Braz, o assecla de DD que tentou subornar agentes federais, mostram que o advogado Wilson Mirza servia de “laranja” na intermediação de pagamentos a terceiros. Mirza é um dos mais fiéis causídicos a serviço do Opportunity, a ponto de deixar um talonário de notas fiscais de seu escritório nas mãos de funcionários do banco.

Alguns trechos do diálogo:

Norberto: Agora tá melhor. Olha só: tem que pagar aqueles 350, que também vai ser com o Mirza. E… a Verônica colocou aqui 27,5, porque parece que são várias pessoas físicas.

Humberto: …O que é o seguinte: ele recebe, e paga a pessoa. A pessoa tem que ficar com 350 líquido.

Mais adiante:

Humberto: É… Como esse ele tem… Ele tem que fazer um pagamento… pra ficar… Ele tem que fazer um pagamento para um sub contratado (sic)…

Norberto: Olha só… E se eu fizer aqui… Ele me deu um talão de notas dele. E se eu fizer o talão aqui… Se eu fizer a nota… Pagar pelo que tá aqui, e depois se tiver algum acerto, a gente acerta em outra nota.

O trabalho de investigação da Satiagraha comprovou, mais uma vez, as relações do espião israelense Avner Shemesh com o Grupo Opportunity. Em 2004, na esteira da Operação Chacal, que investigou a contratação da Kroll por Dantas para espionar integrantes do governo Fernando Henrique Cardoso e do futuro governo Lula, os federais fizeram busca e apreensão na casa de Shemesh em São Paulo. A PF descobrira que o israelense fazia um trabalho paralelo de espionagem ao da Kroll. A polícia encontrou durante a batida dossiês de desafetos do banqueiro, entres eles fotos e relatos sobre as atividades de parentes do jornalista Paulo Henrique Amorim. Shemesh e o Opportunity sempre negaram suas relações, apesar de todas as evidências. Agora, há novas, ainda mais incontestáveis. Em um diálogo interceptado pela polícia, a advogada Daniele Silbergleid e um funcionário do banco de nome Bernardo falam do israelense:

Daniele: Olá

Bernardo: Oi… o cara lá é Abner… da Kroll?

Daniele: Avner…

Bernardo: Tá bom… obrigado.

Em um e-mail de 6 de junho, Cristina Caetano pergunta a Camila Arruda, também do Opportunity, sobre um encontro com o espião:

Camila,

esta confirmado o Avner na terça?

beijos

Trechos do relatório reforçam ainda a atuação do petista Luiz Eduardo Greenhalgh- no lobby a favor da fusão da Brasil Telecom e da Oi. Ex-deputado federal e mais um das dezenas de advogados a serviço de Dantas, Greenhalgh afirmou considerar o orelhudo um “cara legal”. A frase foi dita mesmo depois de o banqueiro ter entregado à revista Veja, às vésperas das eleições de 2006, um dossiê com contas falsas do então presidente Lula no exterior. Em resumo: o ex-deputado admira o sujeito que tentou provocar o impeachment de um presidente que o partido dele, o PT, levou 20 anos para eleger. É um típico caso de firmeza ideológica, lealdade e compromisso partidário.

Greenhalgh, codinomes Gomes e LEG, atuou com diligência ao lado de outro personagem próximo aos barões petistas, Guilherme Sodré. Ora aflitos, ora otimistas, eles assediam integrantes do governo na tentativa de agilizar a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, concretizada no fim de 2008. Há muitas reclamações a respeito do comportamento de Dilma Rousseff, chamada de “Margaret Thatcher” pelo grupo, em referência à dura ex-premier do Reino Unido. A então ministra, tudo indica, tinha restrições ao negócio e não gostava das abordagens. “O governo já se meteu demais nesse assunto. Esse assunto é para morrer mesmo. Com a turma do Rio tem sabotagem, tem manipulação de imprensa”, teria dito a hoje presidenta, segundo relatos de Greenhalgh a Humberto Braz. Não foi a única vez que Dilma rechaçou os contatos da turma.

Parênteses: Greenhalgh não agia só em Brasília. Uma de suas missões era tentar convencer a então governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, a aliviar a fiscalização das fazendas de gado de Dantas no estado. Carepa, com altivez e sem meias-palavras, mandou o colega petista passear.

A documentação inédita comprova mais uma vez a correção da cobertura de CartaCapital do episódio. Mas há os ingênuos, que devem ser bem poucos. E há os que, por alguns trocados, trabalham pela beatificação do orelhudo.

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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Uma revolução na TV




JUCA KFOURI - coluna FOLHA DE SÃO PAULO

Inovadora e corajosa, a proposta do Clube dos 13 para os três próximos anos surpreende

OS CLUBES BRASILEIROS que disputam o principal campeonato do país receberão neste ano coisa de R$ 500 milhões pelos direitos de transmissão em TV aberta, fechada, pagar-para-ver, internet e telefonia, além de placas de publicidade etc.
A proposta para os três próximos anos começa por inovar ao fazer concorrências específicas para cada meio, sem que haja mais o direito de preferência que a Globo exercia -decisão do Cade que contou com a concordância da própria Globo.
O diretor-executivo do Clube dos 13, Ataíde Gil Guerreiro, espera dobrar o faturamento dos clubes com a nova concorrência (R$ 500 milhões como lance mínimo), que será feita em envelopes fechados e auditados por empresa especializada, iniciativa do próprio dirigente para garantir absoluta transparência no processo.
A comissão de negociação do Clube dos 13, composta por Santos, Galo, Botafogo e Bahia, já recebeu os representantes da Record e da Rede TV! e receberá mais uma vez a Globo nesta quarta-feira. A decisão deve sair em 40 dias.
Comparado com os valores dos cinco maiores campeonatos europeus, nenhum deles tão disputado como o Brasileirão, a quantia recebida hoje por aqui é irrisória.
Basta dizer que, tudo somado, o Brasileirão fatura 200 milhões em direitos de TV, cinco vezes menos que o Campeonato Inglês e três vezes menos que o Francês e o Espanhol.
Guerreiro tem pautado as negociações pela independência que o caracteriza como empresário bem-sucedido e que não precisa do futebol para nada, embora revele estar entusiasmado com a perspectiva de fazer história, motivo pelo qual já bateu de frente tanto com o bispo Honorilton Gonçalves, da Record, como com Marcelo Campos Pinto, da Globo.
O primeiro fez insinuações sobre eventual armação, e o segundo argumentou com a "intangibilidade" da parceria global. Foram energicamente rechaçados por Guerreiro.
O Clube dos 13 quer fazer a geração das imagens de seu campeonato, para garantir a correta exposição dos patrocinadores de seus filiados, e quer retirar da CBF quaisquer direitos comerciais que a entidade detenha no Regulamento Geral das Competições, com o que garantirá, como faz sentido, todos os direitos sob o conteúdo que produz e a comercialização do que, de fato, lhe pertence.
Se metade der certo, será uma bela revolução.

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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Campeonato argentino faz homenagem ao presidente Néstor Kirchner, morto em outubro



ARGENTINA

Após se tornar um negócio de Estado na Argentina, o futebol resolveu retribuir e deu o nome de Néstor Kirchner ao seu campeonato nacional, que começou ontem.
Por decisão de Julio Grondona, presidente da AFA (Associação de Futebol Argentino), o torneio, antes chamado Clausura, terá o nome de um ex-presidente do país pela segunda vez em 80 anos.
A outra edição foi em 1974 (vencida pelo San Lorenzo), quando a disputa homenageou Juan Domingos Perón, morto naquele ano.
"Foi uma decisão para homenagear a memória de um ex-presidente indiscutivelmente boleiro", disse Grondona. O cartola também ressaltou que, agora, toda a Argentina poderá ver os jogos do campeonato Néstor Kirchner gratuitamente.Em 2009, a presidente Cristina Kirchner (viúva de Néstor) comprou, pelo equivalente a quase R$ 300 milhões, os direitos de transmissão dos jogos, exibidos na TV pública argentina.

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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Brasil está preparado para não crescer?

Por Luis Nassif

Há um conjunto de interrogações no ar em relação à economia brasileira.

De um lado, pressões inflacionárias decorrentes da alta global de preços de commodities. É um jogo complexo, com um componente especulativo evidente, em função da elevação da liquidez (excesso de moeda empoçado) no mundo.

O problema é a maneira como a política econômica reage a esses movimentos. Falta uma visão estratégica ao país, como a que tem, por exemplo, a China.


Surgem sinais de inflação no horizonte e a decisão automática do Banco Central é de aumentar a taxa Selic. A função básica da elevação dos juros é a de conter a demanda interna.

Em economias estabilizadas, com estruturas eficientes de taxas de juros, meros movimentos de 0,25 na taxa básica se propagam por toda a estrutura de financiamento, afetando a demanda.

No caso brasileiro, movimentos de até um ou dois pontos tem impacto mínimo sobre os juros para o tomador final, tal a diferença de taxas.


Não apenas isso. Quando se analisam as causas da inflação brasileira recente, em poucos momentos a pressão veio de fatores de demanda. As cotações de commodities são definidas internacionalmente. Logo a Selic em nada interferirá no nível das cotações.

Os efeitos sobre a inflação se dão da maneira mais torta possível. Juros mais elevados atraem mais dólares provocando uma desvalorização do dólar e respectiva apreciação do real. Com isso, reduz o preço de produtos importados e de produtos exportáveis. Só que explode as contas externas e faz com que todo aumento de consumo seja apropriado gradativamente por importados.



Haveria uma maneira simples de impedir a apreciação: um depósito compulsório maiúsculo (40%, digamos) sobre entrada de dólares especulativos, da mesma maneira que o existente sobre depósitos em reais.

Mas aí entra a ideologia mercadista, capaz de atropelar medidas óbvias afim de perpetuar os ganhos rentistas do mercado.

A pergunta que resta é a seguinte: depois de provar, ainda que por pouco tempo, o gosto doce do crescimento, a opinião pública se conformará em voltar ao batidão de outrora?

Fonte: http://www.advivo.com.br/luisnassif

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Vazamento: Operação Satiagraha



Por Natalia Viana - Carta Capital Wikileaks

O site Wikileaks Brasil, organizado por um grupo anônimo sem qualquer ligação com o WikiLeaks de Julian Assange, publicou nesta terça-feira a suposta íntegra do inquérito da Polícia Federal sobre a Operação Satiagraha.

A operação deflagrada em julho de 2008 prendeu Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, e o investidor Naji Nahas.

Clique aqui ( http://wikileaksbrasil.org/?p=1652 ) para ler os documentos postados no site.

Os documentos não chegaram a ser enviados ou analisados pelo WikiLeaks oficial.

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A crise da hegemonia ocidental no Oriente Médio


Emir Sader

A hegemonia do capitalismo no mundo se assentou na industrialização, que promoveu sua superioridade econômica, com todos os seus outros desdobramentos – tecnológicos, culturais, políticos. Esse processo se apoiou centralmente no petróleo como fonte energética, sem que a Europa ocidental – seu núcleo original – pudesse contar com petróleo.

A hegemonia norteamericana consolidou o estilo de consumo da civilização do automóvel – a mercadoria por excelente do capitalismo norteamericano -, que acentuou o papel do consumo de petróleo. Embora os EUA tivessem petróleo, seu gasto excessivo fez com que suas fontes se aproximassem cada vez mais do esgotamento, além de que o montante que sempre precisaram os fez se somarem aos países que dependem da importação do petróleo.

Estava assim inscrito no estilo de vida ocidental, a dominação dos países árabes, para dispor de petróleo a preços baratos. Esse esquema encontrou seu primeiro grande obstáculo com o surgimento de regimes nacionalistas, em países fundamentais na região, como o Egito e o Irã. Os problemas convergiram na crise de 1973, em que se uniram o aumento do preço do petróleo com a reivindicação do Estado palestino e a oposição ds governos árabes unidos a Israel.

Diante da crise, os EUA passaram a operar em duas direções: intensificar os conflitos que dividissem o mundo árabe – como a guerra Iraque-Irã – e buscar formas de conseguir a presença permanente de tropas norte-americanas na região – obtida a partir da primeira guerra do Iraque.

O enfraquecimento dos governos árabes e da sua unidade interna foi acompanhada da cooptação do governo do Egito – depois da morte de Nasser, primeiro com Sadat (o primeiro a normalizar relações com Israel) e depois com Mubarak, o que fez desse pais o aliado fundamental dos EUA no mundo árabe, recebendo a segunda maior ajuda militar de Washington no mundo, logo atrás de Israel.

A diversificação das fontes de energia – com a importação de gás da Rússia – alivia um pouco a demanda de petróleo, mas incorpora a dependência de um país que tampouco aparece como confiável para a Europa. Mais seguro é o controle politico e militar da região pelos EUA, como garantia para a Europa. Os países europeus não participaram das guerras do Iraque – com exceção da Inglaterra -, mas as financiaram, pelos serviços que os EUA lhes prestam.

A eventual perda do Egito como eixo do controle politico da região seria gravíssimos para os EUA – além da queda do ditadora aliado na Tunísia e outros desdobramentos em países com governos similares na região. Além de que poderia contribuir decisivamente para romper o isolamento de Gaza, liberando a entrada via Egito, até aqui tão bloqueada como aquela controlada por Israel.

A impotência norteamericana diante das formas tradicionais de intervenção militar confirma a decadência da hegemonia dos EUA, nesse caso em uma região e em um país chaves para seu sistema de dominação. Está claro que Obama já abandonou a possibilidade de sobrevivência de Mubarak, concentrando-se agora numa transição que permita a cooptação de quem vier a sucedê-lo. É um tema aberto, que pelo menos revela que a alternativa aos regimes ditatoriais da região não reside obrigatoriamente em forças islâmicas – argumento utilizado na logica do mal menor de apoio a esses ditadores.

Em condições culturais renovadas, o nacionalismo árabe pode renascer, agora articulando uma nova unidade de governos progressistas, anti-EUA e pro palestinos na região – a pior das possibilidades para Washington -, mas plenamente possível, pela intervenção espetacular dos povos desses países.


fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/blogMostrar.cfm?blog_id=1&alterarHomeAtual=1

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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Robert Fisk: Uma nova verdade raia sobre o mundo árabe




por Robert Fisk, traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Os “documentos da Palestina” são tão demolidores quanto a Declaração de Balfour. A ‘Autoridade’ Palestina – e as aspas são indispensáveis – estava e está pronta a ceder o “direito de retorno” de talvez sete milhões de refugiados ao que hoje é Israel, em troca de um “estado” ao qual corresponderá apenas 10% (se tanto) do território do Mandato britânico na Palestina.

E, à medida que são revelados esses documentos terríveis, o povo egípcio começa a exigir o fim do regime do presidente Mubarak, e os libaneses indicam um primeiro-ministro que servirá ao Hezbollah. Poucas vezes o mundo árabe viu coisa semelhante.

Para começar pelos Documentos da Palestina, é evidente que os representantes do povo palestino estavam prontos para destruir qualquer esperança que os refugiados tivessem de algum dia voltar para casa.

Será – e é – ultraje para os palestinos saber que seus representantes lhes deram as costas. Não há modo pelo qual, à luz dos Documentos da Palestina, os palestinos ainda crerem que algum dia recuperarão direitos seus.

Já viram, em vídeo e por escrito, que jamais voltarão. Mas em todo o mundo árabe – o que não significa mundo muçulmano – há hoje uma compreensão da verdade que jamais por ali se viu antes.

Já não é possível, para o povo do mundo árabe, mentir uns aos outros. Acabou-se o tempo das mentiras. As palavras daqueles líderes – que desgraçadamente são também nossas palavras – esgotaram-se. E nós as levamos até esse fracasso. Nós mentimos a eles todas essas mentiras. E nunca mais conseguiremos recriá-las.

No Egito, nós britânicos amamos a democracia. Incentivamos a democracia no Egito – até que os egípcios decidiram que queriam por fim à monarquia. Então os metemos na prisão. Queríamos mais democracia. Sempre a mesma velha história. Assim como quisemos que os palestinos gozassem de democracia, desde que votassem ‘certo’, nos candidatos ‘certos’, quisemos que os egípcios apreciassem nossa vida democrática. Agora, no Líbano, parece que nossa democracia será substituída pela democracia libanesa. E não gostamos dela.

Queremos que os libaneses, é claro, apóiem o pessoal que nós apoiamos, os muçulmanos sunitas que apoiavam Rafiq Hariri, cujo assassinato – cremos, com razão – foi orquestrado pelos sírios. E agora enfrentamos, nas ruas de Beirute, queima de carros e violência contra o governo.

Mas… Em que direção estamos andando? Será, talvez, na direção de deixar que o mundo árabe escolha seus próprios líderes? Veremos talvez um novo mundo árabe não controlado pelo ocidente? Quando a Tunísia fez saber ao mundo que estava livre, Mrs. Hillary Clinton não abriu a boca. Foi o presidente do Irã, o doido, o primeiro a dizer que muito o alegrava ver a Tunísia liberta. Por quê?

No Egito, o futuro de Hosni Mubarak parece ainda mais perturbador. Bem pode acontecer de seu filho ser escolhido para sucedê-lo. Mas só há um califado no mundo muçulmano, e é a Síria. Os egípcios não querem o filho de Hosni. Não passa de empresário peso leve, que nada garante que consiga (sequer que tente), resgatar o Egito de sua própria corrupção.

O chefe da segurança de Hosni Mubarak, um certo Suleiman – hoje, muito doente – dificilmente poderá substituí-lo.

Por toda parte, em todo o Oriente Médio, estamos à espera de assistir à queda dos amigos dos EUA. No Egito, Mubarak deve estar decidindo para onde fugirá. No Líbano, os amigos dos EUA estão em colapso. É o fim do mundo dos Democratas no Oriente Médio árabe. Ninguém sabe o que acontecerá depois. Só a história, talvez, conheça as respostas.


Fonte: Rodrigo Vianna - Carta Capital

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