sábado, 8 de janeiro de 2011

Dívida externa : fracasso total do neoliberalismo

Texto extraído do site www.resistir.info

O belga Eric Toussaint analisa as possibilidade de reacções isoladas, como a argentina, contra um dos instrumentos mais brutais financeiros de dominação neoliberal de hoje, e aposta na mobilização popular.

Poucos sintomas de êxito parecem assomar no horizonte do Comité para a Anulação da Dívida Externa do Terceiro Mundo (CADTM), se fosse este o objectivo estreito dessa rede internacional criada em 1990, que abrange organizações de 22 países da América Latina, África, Ásia e Europa.

"A dívida externa é só ponto de partida — explica o fundados e presidente dessa organização, Eric Toussaint — para chegar a uma visão da globalização e de alternativas ao mundo neoliberal de hoje. Teríamos podido começar por outro problema do âmbito económico, mas escolhemos esse porque parece-nos que é um dos obstáculos principais ao verdadeiro desenvolvimento dos países do Sul, ainda que não o único. O problema do comércio ou do intercâmbio desigual é outra barreira".

Mas hoje parece longínqua a solução para uma dívida que cresce a cada ano. Talvez por isso, Toussaint, membro também do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, aferra-se aos escassos sinais que conseguiu pescar na história.

"No ano de 1991 anulou-se 50% da dívida externa do Egipto. Isso aconteceu porque os EUA queriam garantir a participação desse país na primeira guerra do Golfo, contra o Iraque. Na mesma época anulou-se 50% da dívida da Polónia, quando confirmou sua vontade de entrar na NATO, depois de sair do Pacto de Varsóvia. Em 2001 anulou-se uma parte da dívida do Paquistão a fim de garantir o apoio desse país, mais uma vez aos EUA, para agredir o Afeganistão, após o 11 de Setembro. E em Novembro do ano passado o Clube de Paris decidiu anular 80% da dívida do Iraque.

"Sim, a dívida cresce, mas por vezes, quando um país representa um interesse estratégico para as grandes potências, adoptam-se medidas fortes de anulação.

"Numa perspectiva histórica poderia mencionar também a anulação da dívida de Cuba em relação à coroa espanhola, em 1898, quando os EUA intervieram na guerra pela independência de Cuba, que na perspectiva de Washington era para transformar esta ilha quase numa colonia".

— E esses exemplos alimentam uma esperança de solução?
— Não. Estes utilizamos estes exemplos para dizer que a anulação é possível, quando há vontade política. Mas não temos nenhuma ilusão sobre as possibilidade de os credores, nas circunstâncias actuais, virem dizer aos devedores: "os senhores já pagaram o suficiente e estão libertados do que resta da dívida". Isso não irá acontecer.

Há toda uma história de anulações mas, a partir da explosão da crise da dívida externa no ano de 1982, esta converteu-se no grande instrumento de dominação dos credores do norte sobre os países do Terceiro Mundo, que são devedores. Os primeiros não vão emancipar, nesse ponto, as nações em desenvolvimento, podem decidir algum alívio quando a carga for tão pesada que impeça o pagamento e fá-lo-iam para continuar a cobrar o que resta após a anulação parcial e, excepcionalmente, quando for do seu interesse estratégico, como no caso do Iraque.

— E então?
— A alternativa é a seguinte: a organização de uma frente de países devedores para suspender de maneira conjunta o pagamento total da dívida ou, pelo menos, renegociá-la para anular 80% ou 90%. E se não houver uma frente comum, também pode ocorrer a decisão unilateral de países isolados, como a Argentina em Dezembro de 2001, que suspendeu o pagamento da maior parte da sua dívida externa pública, num volume de 100 mil milhões de dólares. Foi uma iniciativa histórica porque nunca havíamos visto um default de um volume tão importante de dívida.

E a Argentina conseguiu. Havia-se mencionado a perspectiva de represálias muito fortes e não aconteceram. Porque os credores podem ameaçar, mas não há mais possibilidade de invadir um país com o pretexto do não pagamento da dívida. Têm que procurar outros: armas de destruição maciça, terrorismo, etc.

— Acredita que o exemplo da Argentina e da sua operação da troca da dívida pode alentar outros países a tentativas similares?
— O que o exemplo argentino está a demonstrar é o seguinte: não houve represálias, não pagou e em 2003 e 2004 teve um crescimento económico médio de 8% e alcançou uma quitação de 60% da dívida, que é uma proporção significativa. Pelo menos demonstra que é possível.

— Dentro da mobilização contra a dívida, que papel poderia exercer o encontro internacional que terá Havana como sede?
— Seria a Assembleia Mundial do Jubileu Sul, que coordena a maioria das campanhas nacionais contra a dívida nos continentes do sul. Essa assembleia seria seguida por uma reunião do Jubileu Sul com o CADTM, uma organização Norte-Sul e as demais campanhas dos países do norte. Seria um diálogo entre todos para definir a estratégia para uma nova campanha global sobre a dívida. Essa é a aposta.

Propusemos que Cuba fosse sede, poucos dias antes ou depois do 26 de Julho, porque há 20 anos Fidel lançou em Havana a palavra-de-ordem de que a dívida externa era impagável e tentou unir os países da América Latina e de outros continentes, que enfrentavam nesse época a crise da dívida.

A proposta de nos encontrarmos em Havana nasceu no Fórum Social Global, numa reunião de todas as campanhas do sul e do norte sobre a dívida. Ali firmámos também uma declaração a exigir a anulação incondicional e total da dívida externa pública dos países do sul, a começar pelos países afectados pelo tsunami e outros desastres naturais".

— Prevê que haja hoje uma maior resposta a esse apêlo?
— Para ser realista e franco, diria que imediatamente não. Os que estão dispostos a nível de governo a ter como ponto central da agenda a abolição da dívida são os governos de Chávez na Venezuela e de Kirchner na Argentina. Mas Kirchner espera acalmar o jogo com o acerto recente. Assim, aposto primeiro nos movimentos populares e na pressão que possam exercer sobre os seus governo.

— Por que diz que o pagamento da dívida externa é um roubo aos países do sul?
— Segundo o pensamento económico dominante em muitas universidades, no Banco Mundial e no FMI, falta poupança interna aos países em vias de desenvolvimento. Daí a necessidade de se endividarem e atraírem capital estrangeiro. Mas o problema fundamental não é a falta de poupança interna e sim o modelo do sistema capitalista global da actualidade, que faz com que a poupança interna não se invista na economia dos países do sul, mas que seja desviada de várias formas para o norte.

Uma dessas maneiras é a evasão de capital. Os capitalistas de todos os países em vias de desenvolvimento — incluídos os do antigo bloco soviético, onde também foi restaurado o capitalismo — colocam o seu dinheiro nos bancos dos países mais desenvolvidos. Esses depósitos atingem 1 460 mil milhões de dólares em dinheiro líquido, ao passo que os empréstimos destes bancos do norte aos países em vias de desenvolvimento atingem menos da metade desse volume. Roubos maiores do que esse nunca se viram.

O desvio da poupança interna faz com que os países do sul acumulem reservas em divisas estrangeiras e com essas reservas compram títulos do tesouro norte-americano. Um exemplo claro: a China comprou 250 mil milhões de dólares de títulos do tesouro norte-americano e tem uma dívida de 135 mil milhões de dólares. Na realidade, a China é uma credora líquida. Poderia vender os seus títulos, recomprar a sua dívida e não ficaria endividada.

— Mas se a China resolver vender todos esses títulos, imediatamente o dólar cairia e seria armada a grande crise financeira.
— Naturalmente. Se houvesse uma frente de governos do sul frente ao norte, aí também poderiam mudar potencialmente as regras do jogo porque têm um poder para impor mudanças. Se houvesse uma frente pelo não pagamento da dívida poria numa crise muito grande os países do norte, que seriam então obrigado a procurar uma solução favorável aos devedores.

— Se as alternativas são tão evidentes como o senhor expõe agora, por que não há essa vontade política?
— O problema é que a maioria dos governos do sul não têm a vontade de desafiar as potências, ainda que não tenham menos poder hoje do que quando surgiu o Movimento dos Não Alinhados em 1961. Por isso, para mim o elemento mais estimulante na conjuntura mundial de hoje é a Venezuela, porque é o único país no âmbito do capitalismo — Cuba não pertence a esse sistema — cujo governo se apoia sobre mobilizações populares para tentar por em prática um modelo alternativo. E está a consegui-lo. Chávez representa um desafio tremendo para a América do Norte, a Europa e os governos covardes dos países do sul, porque demonstra na prática que é possível resistir.

O original encontra-se em www.eleconomista.cubaweb.cu/2005/nro261/261_797.html

2 comentários:

  1. como o neoliberalismo se relaciona com a dívida externa ?

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    1. Não se relaciona. Esse artigo é mais uma das idiotices da esquerda

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