domingo, 19 de fevereiro de 2012

"A TERCEIRA MORTE DE CELSO DANIEL" - Bernardo Kucinski


Celso Daniel foi morto a 10 anos. Muito mistério ainda paira sobre o caso.
Escolhemos um artigo de Bernardo Kucinski publicado na Carta Maior em janeiro de 2002.
A terceira morte de Celso Daniel

A primeira foi a morte física, há um mês. A segunda foi o seu assassinato moral pela imprensa. A terceira foi a morte de sua memória. No aniversário de sua morte, o assassinato e sua impunidade passaram sem registro nos grandes jornais, com a exceção do Estadão, que deu manchete interna: “Um mês. Onde estão ao assassinos de Celso Daniel?”

Investigação tomou rumo errado

Nem mesmo o balanço burocrático da polícia sobre seu trabalho no caso foi registrado pela imprensa. Em um mês e um dia foram tomados 97 depoimentos e feitos 7 retratos falados . A maioria dos depoimentos foi de familiares e amigos de Celso Daniel, sem nenhuma relação com suspeitos. A polícia paulista aproveitou o crime para desencadear uma devassa na vida de Celso Daniel. Ontem ouviram Ronan Pinto, sócio do amigo de Sérgio Gomes, chamado como “testemunha”. Testemunha de que, se ele não testemunhou nada? Perguntou Maria Lídia, na CBN, começando tardiamente a desconfiar que alguma coisa está errada no comportamento da polícia e já bastante incomodada como comportamento de seus colegas. No caso de Toninho, não só não foi esclarecido o crime, como foram fuzilados por um comando da polícia quatro suspeitos de ligação com o caso, que haviam se refugiado em Caraguatatuba, e que poderiam falar. Um caso típico de queima de arquivo.

Não há repórteres de polícia como antigamente

Até hoje, nenhum jornalista teve a iniciativa de investigar a investigação da polícia paulista sobre as mortes de Toninho e Celso Daniel, apesar dos inúmeros indícios de que a polícia tem feito de tudo para não chegar à verdade dos fatos. Será mera coincidência o fato de que quando o crime organizado se tornou questão central, sumiram de cena os grandes repórteres de polícia? Pena Branca já morreu. Caco Barcelos agora dedica-se a reportagens sobre o terceiro setor e Percival de Souza escreve livros duvidosos sobre Fleury, Cabo Anselmo e outros anti-heróis da repressão.

Inércia jornalística

Se não tinham meios para grandes investigações, os repórteres poderiam ao menos entrevistar Luiz Eduardo Greenhalgh, que tem acompanhado as investigações sobre o caso Celso Daniel desde o início, e poderiam fazer um balanço circunstanciado das investigações. Na única entrevista, rapidinha, no Estradão, ele reclama que polícia sequer divulgou os retratos falados dos suspeitos. De que adianta fazer o retrato falado se ele não é divulgado?

Dois seqüestros, duas polícias, duas imprensas

Novas perguntas que os jornalistas não fizeram: por que os retratos falados dos seqüestradores de Washington Olivetto foram imediatamente divulgados e os de Celso Daniel não? Por que as transações bancárias de Celso foram abertas após o seqüestro para se descobrir rastros dos criminosos, que teriam levados seus cartões de crédito, e as de Olivetto não, se dele também levaram os cartões? Por que as polícias uniram esforços no caso Olivetto e não se unem até hoje no caso Celso Daniel? E, principalmente: por que a polícia paulista, muito antes do seqüestro do Celso Daniel, estava fazendo um dossiê sobre ele, conforme informou Frederico Vasconcelos na Folha de S. Paulo?http://www.blogger.com/img/blank.gif

Os nexos entre as várias formas de crime organizado

O jornalismo foi salvo pela entrevista de Marisa Fogato com Sérgio Adorno, um dos especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP, publicada na página C5 do Estadão da terça-feira. Sérgio Adorno propõe, talvez pela primeira vez, que as últimas manifestações de crime organizado, inclusive os assassinatos de Celso Daniel e Toninho, as bombas e a onda de seqüestros, estão todas conectadas. “Provavelmente é uma rede complexa, com múltiplos interesses agindo de maneiras distintas, vinculada ao crime organizado” . Adorno chama atenção para a entrada nas prisões de novos jovens ligados ao tráfico, com capacidade de estabelecer conexões internas e externas.
Fonte: Carta Maior

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