PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR -
TEXTO DE 21 DE ABRIL DE 2004, OU SEJA, 7 ANOS DEPOIS.
DIRETO AO PONTO
Palocci em Comandatuba
Antonio Palocci tem sido um alvo recorrente desta coluna. Lamento. Nada tenho contra o nosso ministro da Fazenda. Gostaria muito de poder apóia-lo. Mas Palocci não ajuda.
Paulo Nogueira Batista Jr.
O ministro Antonio Palocci tem sido um alvo recorrente desta coluna. Lamento. Nada tenho contra o nosso ministro da Fazenda. Gostaria muito de poder apóia-lo. Mas Palocci não ajuda, não colabora quase nunca.
Praticamente não o conhecia quando foi indicado para o cargo. Mas as suas primeiras entrevistas e declarações passaram uma impressão de serenidade e equilíbrio, qualidades muito apreciadas em um ministro da Fazenda.
Só um aspecto me deixou ressabiado desde o início: o tipo de pessoa que elogiava o futuro ministro e comemorava a sua nomeação. Em certos meios – Wall Street, Febraban e adjacências –, Palocci era considerado, já em 2002, “um bálsamo”...
Um bálsamo. Bem. Palocci tem desempenhado com afinco essa função balsâmica. Há poucos dias, abrilhantou um badalado encontro de empresários num hotel de luxo na ilha de Comandatuba, na Bahia. Outra estrela do evento empresarial: Fernando Henrique Cardoso. O ambiente paradisíaco e a presença do eminente sociólogo, conhecido por sua imaginação fantasiosa, parecem ter levado o ministro da Fazenda a um certo delírio. Fez afirmações espantosas e, em certo sentido, constrangedoras.
A imprensa destacou a troca de mesuras e elogios entre Palocci e FHC. Sabemos que os jornalistas estão sempre atentos, às vezes atentos demais, aos escorregões reais e imaginários das autoridades governamentais. Mas os relatos sobre Comandatuba foram mais ou menos convergentes.
A julgar por esses relatos, Palocci parece ter perdido completamente de vista o processo político e social que levou Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. E, de quebra, soltou algumas barbaridades econômicas.
Que cabimento tem, por exemplo, saudar o “equilíbrio econômico” resultante dos esforços de FHC? Há limites, pelo amor de Deus! “Nós observamos o esforço de construção do equilíbrio econômico do país, a sua dedicação e a da sua equipe”, disse Palocci, em sua palestra, dirigindo-se ao ex-presidente. Ora, ora, qualquer pessoa que observe, com isenção, os dados macroeconômicos do período 1995-2002, verá sem dificuldade que houve de tudo, menos “equilíbrio econômico”.
O que aconteceu nesse período é digno de figurar nos estudos de caso de experiências econômicas extravagantes. Um exemplo: a carga tributária bruta aumentou cerca de 10 pontos de percentagem do PIB em apenas oito anos. Ao mesmo tempo, foram privatizadas muitas empresas públicas, inclusive algumas das melhores e mais importantes. Um estrangeiro ingênuo, que estivesse de passagem pelo Brasil, concluiria com certeza: “Bem, pelo menos devem ter assegurado uma bela diminuição da dívida pública”.
Nada disso. No período FHC, a dívida pública líquida consolidada quase dobrou como percentual do PIB, passando de cerca de 30% para 56%!
Não precisamos nem discorrer sobre as contas externas. Também nesse terreno houve tudo menos “equilíbrio econômico” durante o período do sociólogo tucano. A combinação desastrosa de sobrevalorização cambial e abertura imprudente da economia, nos campos comercial e financeiro, produziu desequilíbrios enormes no balanço de pagamentos e resultou em rápido crescimento das obrigações internacionais do Brasil. A economia brasileira ficou à mercê das turbulências financeiras internacionais, tornando-se vítima preferencial de choques externos.
Diante dessa magnífica herança, poucos discordavam da idéia de que o ministro Palocci tinha que trilhar o caminho da cautela, quando tomou posse em 2003. Mas o que novo governo anunciou, num primeiro momento, é que a cautela e continuação das políticas anteriores constituíam um “programa de transição” que criaria as condições para realizar, numa segunda etapa, as promessas de mudança econômica com que se comprometera Luiz Inácio Lula da Silva antes e depois das eleições de 2002.
Evidentemente, esse compromisso nada tinha de acidental, uma vez que refletia o profundo e generalizado descontentamento dos brasileiros com os resultados da gestão econômica no período FHC. Não por acaso, todos os candidatos à Presidência da República, inclusive o da situação, José Serra, fizeram campanha, em 2002, com base em plataformas econômicas claramente diferentes da que prevaleceu na Fazenda e no Banco Central no período 1995-2002.
Mas agora, sob aplausos da platéia endinheirada de Comandatuba, Palocci tenta passar uma borracha nisso tudo. Disse que não se sente “ofendido” quando sustentam que há continuidade entre a política econômica atual e a do governo FHC. “Se é igual e é correta, vou continuar fazendo por mais dez anos”, afirmou. Em outras palavras, o que se apresentou inicialmente como uma “política de transição” está se convertendo, aos poucos, em uma adesão pura e simples ao modelo de política macroeconômica do governo anterior.
Questionado pela imprensa, depois da sua palestra, Palocci tentou explicar que estava se referindo aos instrumentos de política macroeconômica que “todo o mundo” usa, isto é, ajuste fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante.
Eis aí outra barbaridade. Nenhum desse três “instrumentos” é usado em “todo o mundo”. Nos anos recentes, Estados Unidos e Japão, por exemplo, praticaram políticas deliberadas de desajuste fiscal com o intuito de combater processos recessivos. O regime de metas para a inflação, um modismo relativamente recente, é objeto de controvérsias teóricas e práticas. Vem sendo aplicado em diversos países, mas não em todos. Os Estados Unidos, por exemplo, não o aplicam. O Federal Reserve segue uma política discricionária, sem regras, buscando não apenas o controle da inflação, como também (e em pé de igualdade com o primeiro objetivo) o estímulo ao crescimento da economia. O câmbio flutuante é adotado na maioria dos países relevantes, mas não em todos: a China é uma exceção notável. Além disso, as formas de administração do câmbio flutuante variam consideravelmente de país para país e de período para período.
Em resumo, não existe modelo único, válido para todo o planeta. Esse é apenas um discurso simplista de que lançam mão autoridades econômicas para legitimar as suas escolhas. Valem-se da pouca informação da opinião pública para vender o seu peixe.
Na mesma semana em que Palocci e FHC eram celebrados em Comandatuba, uma tragédia acontecia em Brasília. José Antonio de Souza, de 30 anos, desempregado, vendeu o que tinha e veio do Espírito Santo para a capital do país. Passou pelo menos dois dias na praça dos Três Poderes, tentando ser recebido pelo presidente Lula. Acabou ateando fogo ao próprio corpo em frente ao Palácio do Planalto. Foi internado em estado grave, com 85% do corpo queimado.
Morreu no último domingo, no mesmo dia em que se encerrava o festivo convescote de Comandatuba.
, economista e professor da FGV-EAESP, é autor do livro “O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional” (Campus/Elsevier, 2005). Escreve às quintas-feiras, a cada quinze dias, na Agência Carta Maior. E-mail: pnbjr@attglobal.net
Fonte: Agencia Carta Maior
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Nem Todos São Iguais Palocci! 4
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